O Descobrimento da América: Portugueses no Canadá

Marcelo Pedra
Planisfério Cantino, feito por um cartógrafo anônimo em 1502. Mostra o mundo tal como era entendido pelos europeus após as suas grandes explorações no final do século XV.

O documentário português “Nos mares da memória – estórias de uma faina maior” (Rui Bela, 2016) passou despercebido no Brasil. A produção lusa ganhou o prêmio de melhor documentário no festival internacional de Barcelona em fevereiro desse ano e, de quebra, suscitou um velho debate entre historiadores de todo mundo: qual o europeu “descobriu” a América? Desde o mais simples livro didático até as publicações mais especializadas no assunto pouco ou nada se comenta sobre as incursões portuguesas no atual Canadá.

É impossível falar das grandes navegações compreendidas entre os séculos XV e XVIII sem citar antes, porém, a epopeia nórdica. Os Vikings mais de quatro séculos antes que quaisquer monarquias europeias haviam chegado a “Vinland”, região do estado canadense de Labrador e Terra nova. Na década de 1960, o antropólogo norueguês Helge Ingstad encontrou nessa região o sítio arqueológico “L’Ans aux Meadows”, onde encontrou evidências conclusivas sobre a tentativa de colonização nórdica no Canadá por volta do ano 990 — até aquele momento os indícios mais fortes conhecidos eram as “Groenlendinga Saga” (Saga dos Groelandeses). Os escritos relatam as viagens dos desbravadores nórdicos Bjarini Herjolfsson, Leif Ericson e Erik o vermelho pelas terras canadenses. Os Vikings, todavia, não se estabeleceram na região.

Cartaz de lançamento do Documentário “Nos Mares da Memoria” do Diretor português Rui Bela (Clique aqui para ver a imagem em tamanho maior)
Cartaz de lançamento do Documentário “Nos Mares da Memoria” do Diretor português Rui Bela (Clique aqui para ver a imagem em tamanho maior.)

Caberia, então, ao navegador e explorador italiano Jonh Cabot as honras de primeiro navegador europeu a desembarcar no Canadá (pós era viking)? Sim, segundo a versão mais conhecida e defendida, obviamente, pelos ingleses — os seus financiadores. Cabot, Veneziano de nascimento, mas a serviço da Inglaterra teria alcançado o litoral canadense no ano de 1497 em algum ponto entre Terra Nova e a atual Nova Escócia. No entanto, historiadores portugueses contestam o pioneirismo inglês. Entre eles Joaquim Verissimo Serrão, presidente da Academia Portuguesa de História.

Reprodução de um Mapa Viking do Inicio do século XI na região do atlântico norte.
Reprodução de um Mapa Viking do Inicio do século XI na região do atlântico norte.

Segundo Serrão, João Fernandes da Ilha Terceira, popularmente chamado de Labrador (lavrador) teria sido contemporâneo de Jonh Cabot. Ao contrário do navegador ítalo-britânico, Fernandes não fez um breve desembarque receoso na costa canadense, mas dava sequência à continua exploração portuguesa nas ilhas do atlântico norte até o limite da Groelândia. Em 1499 João Fernandes, de volta a Europa, ofereceu as terras encontradas à corte inglesa. A oferta foi prontamente aceita e desde então seu codinome “labrador” passou para o nome da terra recém encontrada.

Entretanto, a tese mais defendida por Serrão refere-se o empreendimento marítimo dos irmãos Corte Real. Antes de Caboto (outro codinome de John Cabot), João Fernandes e João Vaz Corte Real chegavam à terra dos bacalhaus (a Terra Nova). A pesca do Bacalhau exerceu papel fundamental na busca por novas terras. Especialmente no atlântico norte, se buscava novos mares e como sequencia novas terras eram encontradas. O Sacerdote e “historiador” da época Gaspar Frutuoso, respeitada personalidade da sociedade açoriana, descreveu a viagem de Corte real e sua chega às terras canadenses em 1472. A Coroa Portuguesa em nenhum momento confiou nas “provas” da chegada de Caboto ao futuro Canadá. Assim, se concedeu a Vasco Corte Real a exploração da costa canadense. Enquanto Cristóvão Colombo sequer sonhava com sua viagem às índias navegando pelo ocidente (1492), Corte Real delineava seus planos de conquista da “América”.

Rota de João Vaz Corte Real rumo a Terra Nova.
Rota de João Vaz Corte Real rumo a Terra Nova.

O empreendimento português-açoriano sofreu, porém, um revés que selou o fim da tratativa de colonização português no Canadá. Na sua terceira viagem, em meados de 1501, sua caravela se perdeu e Corte Real nunca foi encontrado. No intuito de resgatar o irmão, Miguel Corte Real viajou à Terra Nova em 1502 e teve o mesmo destino que o irmão: desapareceu sem deixar vestígios. Diante dos infortúnios, Portugal decidiu suspender as missões na região.

Existem teorias nunca comprovadas de que Corte Real teria sobrevivido e percorrido o litoral canadense e estadunidense. Defensor dessa teoria, o pesquisador Edmundo Delabarre da Brown University (1863 – 1945) baseou-se na interpretação de escritos encontrados na Pedra Dighton. Localizada em Massachusetts no ano de 1916, o pedaço de rocha possuía, segundo Delabarre, o dizer “Voluntate Dei hic dux indorum anno Domini 1511” (Miguel Corte Real pela vontade de deus chefe dos índios 1511).

Estátua de João Vaz Corte Real nos Açores, Portugal.
Estátua de João Vaz Corte Real nos Açores, Portugal.

A conquista da América (ou a sua descoberta, num sentido mais tradicional) é costumeiramente atribuída ao genovês Cristóvão Colombo a serviço da Coroa Espanhola. Muito antes, todavia, os portugueses açorianos haviam chegado à América pelo Canadá. A mesma região que outrora antes fora visitada pelos Vikings. O Canada Português nunca se concretizou, mas não é pouco que a maior cidade na província de Terra Nova e Labrador ainda seja conhecida como São João de Terra Nova. Esse importante capítulo das navegações portuguesas é brevemente descrito nas palavras do diretor de “Nos Mares da Memoria”, Rui Bela:

Se Portugal tivesse que enumerar alguns dos seus feitos mais gloriosos, a descoberta dos mares gelados da Terra Nova e da Groelândia, bem como a pesca do bacalhau, seriam seguramente dois deles.”

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