O aquecimento global está acontecendo, e quanto a esta afirmação não há mais lugar para negações no debate científico (1). Quando os cientistas começaram a estudar o clima e a complexidade de suas variações, questionaram se as causas de certas mudanças eram ou não antropogênicas. Afinal, mesmo antes de o Homo Sapiens existir, a Terra já seguia seus próprios ciclos de aumento e resfriamento das temperaturas globais decorrentes de fatores geológicos e astronômicos alheios à nossa espécie. Contudo, evidências cada vez mais numerosas e inequívocas apontam que não apenas o aquecimento global está acontecendo, como também é a espécie humana a causadora desse problema.
Para se chegar a um resultado tão categórico como esse, milhares de cientistas da climatologia, da física, da geografia, da química e de muitas outras áreas que estudam a natureza trabalharam em diferentes regiões do mundo, dia e noite, ao longo de décadas, para reunir o maior número possível de dados por meio de equipamentos extremamente sofisticados, a fim de submetê-los a exames críticos de alto rigor e precisão, reforçados pela pressão estressante de diversas revisões e experimentos não menos exigentes, até serem, por fim, integrados a sistemas computacionais que simulam o clima com base no cálculo de todas as informações que atravessaram esse crivo.
A epopeia da pesquisa científica vai além dessa modesta e ligeiramente labiríntica descrição de métodos, mas serve para demonstrar que, quando os cientistas se pronunciam sobre alguma coisa após se prestarem a um trabalho tão difícil, é no mínimo um ótimo começo levá-los a sério, principalmente quando 97% deles (2) – dos especialistas que estudam a climatologia terrestre – estão a nos alarmar sobre o grande perigo que rodeia a sobrevivência da biodiversidade e a segurança das futuras gerações de seres humanos. Nosso irrefletido “estilo de vida” industrial, além do modo como empregamos nossas poderosas tecnologias, seja na geração de energia ou na produção de tudo o que existe ao nosso redor, se mostrou uma séria ameaça ao equilíbrio de quase todo planeta.
Dos prejuízos que causamos ao meio ambiente, o mais preocupante é o que hoje interfere no chamado efeito estufa (3). Uma explicação simples que se pode dar a esse termo é que, em primeiro lugar, ele consiste num fenômeno natural e importantíssimo para a existência de diversas formas de vida que existiram e existem no mundo. Funciona assim: o Sol emite radiação ultravioleta que atravessa nossa camada atmosférica, atinge o solo e aquece a superfície da Terra; a maior parte dessa radiação é refletida de volta para o espaço em forma de raios infravermelhos; a outra parte, em menor quantidade, fica retida na atmosfera e se converte em calor, gerando assim o “efeito estufa”. A retenção desse calor só é possível porque gases como o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4), para citar apenas dois exemplos, estão presentes no ar devido a inúmeros processos de origem natural, dentre os quais se incluem as erupções vulcânicas, a respiração de seres vivos e a decomposição de matéria orgânica. Graças a tais mecanismos, o planeta manteve o calor mais ou menos estável para abrigar a vida como a conhecemos. No entanto, com o aumento da civilização, fatores artificiais começaram a perturbar esse sistema, que antes não se sabia ser tão sensível a alterações.
Hoje em dia, o ser humano utiliza como maior fonte de energia o petróleo, o carvão e o gás natural. A queima desses combustíveis fósseis, somada a outras fontes de GEEs (gases de efeito estufa), como a extensiva atividade pecuária e as bombas de metano presas nas geleiras do Ártico, emite um mundaréu de dióxido de carbono e de metano na nossa atmosfera em escalas que ultrapassam qualquer limite de sustentabilidade, com emissões que só fazem aumentar a cada ano. Consequentemente, quanto mais desses gases se concentram na atmosfera, potencializando o efeito estufa, mais quente e mais propensa a fenômenos extremos a Terra fica (4). Tal desequilíbrio se intensificou com o impacto negativo do desenvolvimento irresponsável e descontrolado da nossa espécie, movido por tecnologias de exploração do meio ambiente e pela dependência de recursos energéticos que, em pouco mais de um século, provaram-se potentes o bastante para alterar a maquinaria climática de todo o planeta.
Paleoclimatologistas observaram, a partir de estudos minuciosos realizados ao longo de várias décadas, com dados organizados de forma absolutamente sofisticada e consistente, que a quantidade de CO2 concentrado na atmosfera atingiu níveis muito superiores aos que existiam há mais de 600 mil anos. No surto industrial do século XIX ao XXI, saímos de uma média inferior a 300 ppm (partes por milhão) de dióxido de carbono ao longo de 600 mil anos, para mais de 400 ppm (5). Se em pouco mais de 100 anos algo dessa magnitude aconteceu, as previsões dos cientistas não poderiam trazer um cenário otimista para o futuro. Dada a enorme presença de GEEs que geramos em um período tão curto de intensa atividade industrial, o clima do planeta tende a esquentar em escala altamente prejudicial à vida de milhões de espécies, incluindo a nossa. Isso tem preocupado os cientistas, pesquisadores e lideranças políticas do mundo inteiro, a ponto de fazer mais de 190 países se unirem em acordos internacionais que visam reduzir a emissão de poluentes e desenvolver novas fontes de energia limpa baseadas, por exemplo, em matriz eólica e solar como alternativas mais sustentáveis ao nosso convívio com o meio ambiente (6). De tão séria que a coisa ficou, mesmo que a humanidade inteira dê o melhor de si, ainda será impossível reverter o quadro catastrófico legado às gerações futuras.
Os alarmes climáticos que indicam a iminência de ameaças à nossa sobrevivência estão soando em cada país e em cada canto da Terra, a começar pelo degelo assustador de vastos territórios do Ártico e de parte da Antártida (7), que traz implicações trágicas para centenas de milhões de pessoas que habitam zonas litorâneas, numa tragédia anunciada que as transformará em refugiadas do clima por causa do aumento do nível dos oceanos. Caso as temperaturas continuem aumentando no ritmo atual, algo que só pode ocorrer se não mudarmos de hábito imediatamente, as consequências de curto e longo prazo serão um dos rastros mais infelizes da nossa espécie. É claro que as coisas não param por aí. Há uma imensa lista de preocupações que os seres humanos devem começar a enfrentar sem adiamentos, enquanto ainda é possível encontrar soluções que atenuem a atual crise climática que desencadeamos.
Ensaio originalmente publicado no site Universo Racionalista e devidamente autorizado para a republicação no site da Sociedade Científica.
Referências:
- https://www.theguardian.com/environment/2013/sep/27/ipcc-climate-report-un-secretary-general
- https://www.skepticalscience.com/global-warming-scientific-consensus-intermediate.htm
- https://climate.nasa.gov/causes/
- https://www.scientificamerican.com/article/was-the-extreme-2017-hurricane-season-driven-by-climate-change/
- https://www.scientificamerican.com/article/earth-s-co2-passes-the-400-ppm-threshold-maybe-permanently/
- https://nacoesunidas.org/acordodeparis/
- https://www.theguardian.com/environment/2018/feb/27/arctic-warming-scientists-alarmed-by-crazy-temperature-rises