Como eram feitas as cirurgias sem anestesia?

Dominic Albuquerque

Por muito tempo foram feitas cirurgias sem anestesia. Hoje em dia, elas são um acessório frequente na medicina, constituindo-se de um arranjo de drogas que é usado não apenas para controlar a dor, mas também relaxar os músculos e deixar os pacientes num estado de inconsciência.  

Através do seu uso, é possível passar por procedimentos médicos que não causam nenhuma dor durante o processo, possibilitando assim que execuções precisas e elaboradas sejam feitas sem causar um incômodo para o paciente.

Esse evento, contudo, é algo moderno, e a história da medicina pode nos mostrar como isso evoluiu ao longo do tempo. As cirurgias sem anestesia estavam presentes desde a Antiguidade, mas diversas tentativas de aliviar a dor ao longo dos processos cirúrgicos foram testadas através dos séculos.

A evolução dos medicamentos nas cirurgias sem anestesia

A anestesia do jeito que conhecemos é uma invenção relativamente nova, mas por séculos nós buscamos maneiras de suavizar a dor intensa. Já no século XII há registros de médicos aplicando esponjas embebidas em ópio e suco de mandrágora em pacientes para induzir o sono antes de uma operação, e para entorpecer a dor do processo.

Manuscritos da época de Roma até o período medieval descrevem uma receita de uma mistura sedativa chamada “dwale”. Feita de uma mistura inebriante de bile de javali, ópio, suco de mandrágora, cicuta e vinagre, o extrato era usado para “fazer um homem dormir enquanto outro o corta”, de acordo com um manuscrito da Idade Média.

Na Europa, do século XVII em diante, ópio e láudano (ópio dissolvido em álcool) se tornaram analgésicos comuns.

Mas esses medicamentos eram imprecisos e difíceis de adaptar para cada paciente e suas necessidades. Além disso, também podiam ser perigosos: cicuta pode ser fatal, por exemplo, e ópio e láudano são  viciantes. Mandrágora em altas doses pode causar alucinações, frequência cardíaca anormal e, em casos extremos, morte.

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Representação ilustrativa de uma cirurgia no século XVI, por Hans Holbein. (créditos da imagem: wynnter via Getty Images)

A evolução dos métodos nas cirurgias sem anestesia

Quando cirurgiões precisavam realizar operações invasivas, o método mais sensível costumava ser simplesmente a busca pela realização mais rápida e precisa possível. “Há mais de 150 anos, as cirurgias eram curtas”, contou Tony Wildsmith, professor emérito de anestesia na Universidade de Dundee na Escócia, previamente um Arquivista Real do Royal College of Anesthetists do Reino Unido.

Eficiência e precisão sob pressão do tempo eram uma medida da habilidade cirúrgica.

Em novas tentativas de realizar seu trabalho, os cirurgiões foram descobrindo técnicas um tanto incomuns. Uma delas era a compressão, que envolve aplicar pressão nas artérias de alguém para deixá-lo inconsciente, ou aos nervos para causar dormência súbita nos membros.

Isso já era executado na Grécia Antiga, onde os médicos faziam compressão das artérias carótidas para trazer inconsciência. Já em 1784, um cirurgião britânico chamado John Hunter testou a compressão dos nervos ao aplicar um torniquete no membro de um paciente – a amputação foi executada e, de acordo com o Royal College of Anaesthetists, o paciente não sentiu dor.

Outra técnica singular foi a do “mesmerismo”. A crença pseudocientífica apontava que era possível hipnotizar um paciente através da manipulação magnética de um campo de força líquido que existia nos humanos, segundo relata o Hektoen International Journal. O inventor da técnica, Franz Anton Mesmer, da Áustria, acreditava que era possível colocar os pacientes num estado de animação suspensa, deixando-os aquém da dor cirúrgica

Posteriormente, o mesmerismo foi descreditado, e um novo rival surgiu: éter gasoso.

Das pseudociências às anestesias modernas

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Éter e clorofórmio foram anestésicos primitivos (créditos da imagem: matthewzinder via Getty Images)

Na metade do século XIX, cientistas se interessaram pelo uso clínico de um composto orgânico chamado éter. Em 1846, um cirurgião dentista chamado William Morton realizou uma operação pública onde aplicou éter gasoso no paciente, removendo então um tumor do seu pescoço sem causar dor.

Em 1848, o uso do clorofórmio também passou a ser disseminado. Com ambos, os cirurgiões conseguiam um controle maior dos pacientes e dos processos cirúrgicos. Com os pacientes adormecidos e sem dor, era possível ter mais tempo para operar, assim aprimorando os detalhes de cada cirurgia e desenvolvendo-as.

As cirurgias sem anestesia, então, saíram do comum.

Nenhum dos gases é usado cirurgicamente hoje em dia, mas eles contribuíram para as bases do desenvolvimento de drogas mais seguras e efetivas, que então trouxeram as anestesias que conhecemos atualmente.

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