Cientistas podem ter descoberto fator desencadeador da vida complexa na Terra

Diógenes Henrique
Basalto olivínico. Quando a olivina altamente reativa tornou-se menos comum na crosta terrestre, o oxigênio produzido pelas cianobactérias transformou a atmosfera. Imagem: Ray Simons

O “Grande Evento da Oxidação” — o período de 2,4 bilhões de anos atrás, quando a atmosfera da Terra de repente tornou-se rica em oxigênio, catalisando a evolução da vida aeróbica — foi causada por mudanças geológicas, e não biológicas, descobriu uma nova pesquisa.

Se fosse possível entrarmos em uma máquina do tempo e ajustar o aparelho para levarmos de volta ao passado distante da Terra, teríamos uma surpresa e tanto.

Isso por que durante a primeira metade de existência do nosso planeta não havia oxigênio na atmosfera. Esse gás extremamente fundamental para a vida como é hoje só passou a estar disponível na atmosfera há cerda de 2,4 bilhões de anos. Formada há 4,5 bilhões de anos, a Terra já era habitada quando da ocorrência da Grande Evento da Oxidação: organismos unicelulares já estavam por aqui.

Não está exatamente claro hoje para os cientistas quando (e como) a vida em nosso planeta começou, mas os fósseis mais antigos desses microorganismos, as cianobactérias, data de 3,5 bilhões de anos atrás. Isso sugere que a vida já existia há pelo menos 1 bilhão de anos antes da Grande Oxidação. O Grande Evento da Oxidação foi um dos acontecimentos mais importantes para a evolução da vida como conhecemos. Sem ele, jamais poderia haver animais respirando oxigênio por aqui, como insetos, peixes, mamíferos e, certamente, humanos.

Aumento da disponibilidade de O2

Na época, as cianobactérias produziam oxigênio como um subproduto da fotossíntese. Alguns estudos sugeriram que esse processo foi o único responsável pelo aumento repentino do oxigênio disponível, mas houve poucos dados para apoiar a argumentação.

Agora, os geólogos Matthijs Smit, da Universidade da Colômbia Britânica, no Canadá, e Klaus Mezger, da Universidade de Berna, na Suíça, buscaram traçar a causa do evento de oxidação, que viu a quantidade de oxigênio nos oceanos aumentar 10 mil vezes em apenas 200 milhões de anos — um aumento incrivelmente rápido do ponto de visto geológico.

Smit e Mezger decidiram seguir uma abordagem diferente e olharam para as formações rochosas para uma possível resposta. Durante o Grande Evento de Oxidação, a composição rochosa dos continentes também sofreu mudanças químicas significativas.

No início do evento, a maioria dos xistos e dos tipos de rocha ígnea em todo o mundo constituíam altos níveis de magnésio e baixos níveis de sílica. Essa é uma composição semelhante às rochas encontradas hoje em áreas vulcanicamente ativas como a Islândia.

Essas formações antigas, no entanto, continham outro mineral muito abundante chamado olivina, um tipo de silicato de ferro de magnésio. Quando entra em contato com a água, esse mineral catalisa reações químicas que bloqueiam o oxigênio, o que significa que não está livremente disponível como gás — o que é essencial para a respiração aeróbica.

Na verdade, os cientistas calculam que a olivina era abundante o suficiente para que esse mineral tivesse apreendido todo o oxigênio produzido pelas cianobactérias, neutralizando o efeito da produção de oxigênio por essas bactérias.

No entanto, ao mesmo tempo que o evento de oxidação estava ocorrendo, as crostas continentais estavam evoluindo. Sua composição mudou — e, em particular, o mineral olivina tornou-se muito mais raro.

Como resultado, as poucas reações de olivina significaram que o oxigênio produzido pelas cianobactérias foi gradualmente acumulado nos oceanos sem ser apreendido pela olivina. Eventualmente, a água saturou de oxigênio e esse gás começou a escapar para a atmosfera.

“Descobriu-se que uma mudança surpreendente ocorreu na composição dos continentes ao mesmo tempo em que a oxigênio livre estava começando a se acumular nos oceanos”, disse Smit em um comunicado de imprensa. “A oxigenação estava esperando para acontecer”, acrescentou o geólogo. “Tudo o que talvez tenha sido necessário era que os continentes amadurecessem”.

“Isso realmente parece ter sido o ponto de partida para a diversificação da vida como a conhecemos.Depois dessa mudança, a Terra tornou-se muito mais habitável e adequada para a evolução da vida complexa, mas isso precisava de algum mecanismo de gatilho, e é isso que podemos ter encontrado”, conclui Smit.

A pesquisa foi publicada no periódico científico Nature Geoscience.

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