Avanços tecnológicos possibilitam que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos

Daniela Marinho
Avanços tecnológicos possibilitam que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos - Imagem: Canva

Há algumas décadas, o mero pensamento de casais do mesmo sexo conceberem filhos biologicamente relacionados parecia totalmente inimaginável para os cientistas. No entanto, graças aos avanços recentes na tecnologia reprodutiva, esse sonho está se aproximando cada vez mais da realidade.

Recentemente, pesquisadores realizaram descobertas promissoras nesse campo, embora esses estudos tenham sido conduzidos apenas em ratos de laboratório. Nos últimos dez anos, algumas equipes científicas conseguiram aproveitar a engenharia genética para testemunhar o nascimento de um pequeno número de roedores provenientes de casais compostos por indivíduos do sexo masculino e feminino.

Tecnologia de ponta pode facilitar que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos

David Albertini, um embriologista da Bedford Research Foundation, disse ao Portal Inverse que “Esses pesquisadores foram incrivelmente criativos […] Eles mantiveram a Mãe Natureza em mente em suas abordagens de engenharia ao construir gametas – isto é, esperma ou óvulos – a partir de células-tronco.”

Essas descobertas pioneiras representam um marco significativo no caminho para permitir que casais do mesmo sexo tenham a possibilidade de ter filhos biológicos. Caso essas tecnologias avançadas sejam desenvolvidas de maneira ética e segura para aplicação em seres humanos, um futuro distante pode testemunhar a viabilização de diversos modelos familiares.

Estudo releva inovação in-vitro

Em um estudo publicado na revista Nature em março, uma equipe de pesquisadores no Japão alcançou um avanço significativo ao criar camundongos com dois pais biológicos pela primeira vez. Essa conquista foi possível graças à utilização de uma técnica inovadora chamada gametogênese in vitro (IVG), desenvolvida pelo pesquisador Katsuhiko Hayashi e seus coautores da Universidade de Kyushu.

O processo de IVG funciona da seguinte maneira: os cientistas são capazes de reprogramar geneticamente células de diferentes tecidos, como pele ou sangue, em células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs), que têm a capacidade de se transformar em qualquer tipo de célula. A partir desse ponto, os pesquisadores estimulam essas células-tronco a se desenvolverem em óvulos ou espermatozoides, por meio de manipulação química.

casais do mesmo sexo
Imagem: Canva

No estudo recente, a equipe de pesquisa coletou células da pele da cauda de camundongos machos e as converteu em iPSCs. Em seguida, eles alteraram geneticamente o sexo dessas células, induzindo-as a abandonar o cromossomo Y e desenvolver um segundo cromossomo X, efetivamente formando óvulos. Posteriormente, esses óvulos foram fertilizados por meio de outra camundonga macho e transferidos para o útero de camundongos substitutos para dar continuidade ao desenvolvimento embrionário.

Apesar dos esforços da equipe de Hayashi, apenas sete filhotes de camundongos saudáveis e vivos foram produzidos entre os 630 embriões formados a partir desses óvulos, resultando em uma taxa de sucesso ligeiramente superior a um por cento.

Essa conquista pioneira demonstra a viabilidade da criação de animais com dois pais biológicos, através do uso da técnica IVG. Embora a taxa de sucesso atual seja limitada, esses resultados abrem caminho para futuras pesquisas e aprimoramentos na tecnologia, que podem permitir um aumento significativo na taxa de sucesso e a eventual aplicação desses métodos em outros mamíferos, incluindo seres humanos.

Tecnologia do amanhã e desafios

Embora os experimentos iniciais em camundongos tenham sido promissores, há vários obstáculos significativos que devem ser superados antes que as tecnologias de reprodução assistida possam permitir que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos. Uma dessas dificuldades é o tempo de cultivo necessário para que as células humanas produzam um óvulo maduro, o que pode aumentar o risco de alterações genéticas imprevisíveis e potencialmente prejudiciais.

Além disso, há preocupações em relação à técnica de edição genética CRISPR, que pode introduzir modificações indesejadas e até mesmo causar câncer. Essas questões técnicas são agravadas por desafios legais e éticos, como a obtenção de consentimento dos doadores de células e o destino dos embriões não utilizados.

Apesar das limitações e das políticas existentes que impedem a realização de experimentos desse tipo em humanos, algumas startups têm interesse em avançar a pesquisa da fase animal para testes em humanos. No entanto, especialistas acreditam que um cronograma específico para a aplicação dessas técnicas em humanos ainda não é realista.

O IVG pode oferecer benefícios no tratamento de condições de infertilidade, como a síndrome de Turner, também permite que casais do mesmo sexo tenham filhos biológicos; assim, os obstáculos técnicos e éticos devem ser superados. Os pesquisadores, como o Dr. Hayashi, que apresentou suas descobertas em uma conferência, estimam que essa técnica possa ser usada em humanos dentro de uma década.

Apesar das incertezas, se os desafios técnicos e éticos forem superados, as tecnologias de engenharia genética, como o IVG, têm o potencial de redefinir a reprodução humana, abrindo possibilidades inéditas para casais queer e seus filhos.

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