Algo estranho ocorre com lobos infectados por parasita que altera a mente

O Toxoplasma gondii geralmente tende a levar os animais infectados voluntariamente para a morte, mas com o lobo-cinzento é diferente.

Felipe Miranda
Lobo-cinzento. Imagem: Lou Gold

Parasitas nos deixam doentes. Muitas vezes, os efeitos não são muito grandes, mas nos causam um desconforto. No entanto, há um parasita que tem um efeito um tanto bizarro ao infectar lobos. Quando infectados pelos parasitas, esses lobos têm uma propensão maior a se tornar líderes de matilhas.

A pesquisa ocorreu durante 26 anos com a coleta de dados comportamentais, além de uma análise de sangue de 229 lobos. Quando infectados por um parasita chamado Toxoplasma gondii, há 46 vezes mais probabilidade de o lobo se tornar líder da matilha (um grupo de lobos). O estudo que apresenta o resultado inusitado foi publicado em acesso aberto no periódico Communications Biology.

O Toxoplasma gondii é um protozoário que infecta quaisquer animais de sangue quente. Nos seres humanos, o parasita é o causador da famosa doença toxoplasmose. Nos seres humanos, a doença é propagada por contato com fezes, alimento ou água contaminados, por meio do sangue, por meio de picadas de insetos ou, quando a gestante é infetada, da mãe para o feto, ou para o bebê por meio da amamentação.

“Apesar da extensa pesquisa laboratorial sobre os efeitos da infecção por T. gondii no comportamento, pouco se entende sobre os efeitos da toxoplasmose no comportamento do hospedeiro intermediário selvagem”, explicam os cientistas no abstrato do artigo.

No comportamento dos animais, a infeção pelo protozoário geralmente possui efeitos ruins, e a morte, muitas vezes, não ocorre de maneira direta, mas por meios indiretos.

Por exemplo, ratos infectados pelo Toxoplasma gondii possuem uma tendência de tomar decisões mais arriscadas, como por exemplo, ser atraídos pelo cheiro da urina de felinos, um clássico predador dos ratos. Assim, ao se expor aos seus inimigos naturais, são rapidamente mortos. Outros animais, como chimpanzés e hienas, tendem a se expor muito a felinos maiores (como leopardos e leões), e também morrem indiretamente, mas pelo efeito da infecção do protozoário.

Um efeito fascinante

Os lobos não tendem a ser presas de felinos, não é mesmo? Os lobos estudados são, especificamente, lobos-cinzentos do Parque Nacional de Yellowstone. Seu território é, muitas vezes, compartilhado com a de pumas, que são portadores conhecidos do Toxoplasma gondii. Dessa maneira, vez ou outra um lobo se alimenta de um puma, ou até mesmo entra em contato com as suas fezes, sendo infectado pelo protozoário.

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Parque Nacional de Yellowstone. Imagem: Acroterion / Wikimedia Commons

O efeito do T. gondii nos lobos é o mesmo do que nos outros animais. No entanto, acaba gerando um desfecho diferente. Conforme já explicado, a infecção pelo parasita faz os animais tomarem decisões mais arriscadas, o que muitas vezes é mortal.

Os lobos também tomam decisões mais arriscadas, mas eles não são exatamente uma presa, mas predadores. Eles acabam por se separar do bando, e alguns obviamente morrem. No entanto, os outros criam seus próprios grupos, e tornam-se líderes de suas matilhas.

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Imagem: Meyer, Cassidy et al., Communications Biology, 2022

“Além disso, os lobos soropositivos eram mais propensos a tomar decisões de alto risco, como dispersar e se tornar um líder de matilha, ambos fatores críticos para a aptidão individual e as taxas vitais do lobo”, explicam os cientistas no artigo.

Como diz aquele famoso ditado, “quem não arrisca não petisca”. Então, ao correr mais riscos, eles tornam-se líderes.

Mas os efeitos vão além desse simples detalhe. Eles podem afetar, não apenas positivamente, mas causar um impacto negativo em todo o ecossistema.

“Particularmente em uma espécie social, esses impactos podem surgir além dos indivíduos para afetar grupos, populações e até mesmo processos ecossistêmicos”, dizem os pesquisadores.

“Devido à estrutura social de uma matilha de lobos, essas mudanças de comportamento podem causar um ciclo de feedback que leva a aumentos no nível da matilha na tomada de riscos com implicações importantes para a transmissão de doenças, competição interespecífica com pumas e sobrevivência do lobo”, explica a equipe no estudo.

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