Os geocientistas são capazes de viajar muito para trás no tempo para reconstruir o passado geológico e paleoclima para fazer previsões melhores sobre as condições climáticas futuras. Usando a molécula orgânica fitano, um produto de fragmentos de clorofila, os pesquisadores do Royal Netherlands Institute for Sea Research – NIOZ e da Universidade de Utrecht conseguiram desenvolver um novo indicador indireto (ou “proxy”) de níveis de CO2 (o dióxido de carbono) remotos. Este novo proxy orgânico não só fornece o registro mais contínuo das concentrações de CO2 como cobre também um tempo recorde de meio bilhão de anos no passado. Os dados confirmam a ideia de que aumentos nos níveis em CO2 que costumavam levar milhões de anos estão acontecendo agora em um século. Os resultados da pesquisa foram publicados na Science Advances1 em 28 de novembro.
Como a quantidade dióxido de carbono aumenta hoje, é vital que se entenda o impacto que essa mudança terá. Para melhor prever o futuro, devemos entender as mudanças de longo prazo na concentração CO2 ao longo da história geológica. Medições diretas de CO2 passado estão disponíveis, por exemplo, nas bolhas de ar em núcleos de gelo contendo as taxas de concentrações de gases anteriormente existente na atmosfera terrestre. No entanto, as amostras de gelo têm um período de tempo limitado de um milhão de anos. Para ir mais além no tempo, os geocientistas desenvolveram várias formas de medir indiretamente o nível de CO2, as chamadas proxies, por exemplo, proxies de algas, folhas, solos milenares e produtos químicos armazenados em sedimentos remotos para reconstruir as condições ambientais do passado.
Fitano, uma nova maneira de viajar no tempo
O uso do proxy fitano, um produto decorrente da degradação da clorofila, permitiu aos geoquímicos inferir um registro histórico contínuo de níveis de CO2 em tempos imemoriais. Os cientistas da NIOZ desenvolveram recentemente o fitano como uma nova e promissora molécula orgânica que revela meio bilhão de anos nas concentrações de CO2 nos oceanos, desde o Cambriano até tempos recentes.
Com esse proxy, eles conseguiram fazer o mais contínuo registro dos antigos níveis de dióxido de carbono já realizado. “Desenvolvemos e validamos uma nova maneira de viajar no tempo — indo mais para trás no tempo e para mais lugares”, diz Caitlyn Witkowski2, cientista da NIOZ . “Com o fitano, agora temos o mais longo CO2 com uma proxy marinha comum. Este novo dado é inestimável para os modelos de dados que agora podem fazer com mais precisão as previsões.”
Witkowski e os demais pesquisadores autores do estudo selecionaram mais de trezentas amostras de sedimentos marinhos de núcleos do mar profundo e óleos de todo o globo, refletindo a maioria dos períodos geológicos nos últimos quinhentos milhões de anos.
Moléculas fósseis
Reações químicas passadas podem ser “armazenadas” em moléculas fósseis e, portanto, podem refletir várias condições ambientais antigas. Os geoquímicos podem inferir essas condições, como temperatura da água do mar, pH, salinidade e níveis de CO2. A matéria orgânica (aquela tipo de composto químico que contém carbono em sua estrutura molecular), como o fitano, indica a pressão do dióxido de carbono (pCO2) na água do oceano ou na atmosfera.
Embora toda a matéria orgânica tenha o potencial de indicar o nível do CO2, o fitano é especial. Essa substância é o pigmento responsável pelo nosso mundo verde. Qualquer coisa que use a fotossíntese para absorver a luz solar, incluindo plantas, algas e algumas espécies de bactérias, tem clorofila, da qual o fitano é um constituinte. Plantas e algas absorvem CO2 e produzem oxigênio.
Como a clorofila é encontrada em todo o mundo, o fitano também está em toda parte e é um dos principais constituintes da biomassa decomposta e fossilizada. “O fitano não muda quimicamente ao longo do tempo, mesmo que tenha milhões de anos de idade”, diz Witkowski .
Fracionamento de isótopos de carbono
O dióxido de carbono do passado é estimado a partir de matéria orgânica, como o fitano, através do fenômeno do fracionamento de isótopos de carbono durante a fotossíntese. Ao absorver CO2, plantas e algas preferem o isótopo de carbono leve (12C) que o isótopo de carbono pesado (13C). Elas só usam o isótopo de carbono pesado quando os níveis do CO2 na água ou na atmosfera circundante são baixos. A proporção entre esses dois isótopos, portanto, reflete o nível de dióxido de carbono no ambiente no momento em que estava viva a alga ou a planta.
Isso também explica por que Witkowski não utilizou plantas terrestres como fonte para sua pesquisa, utilizando exclusivamente fitano de fontes marinhas (fossilizadas). O mundo das plantas é dividido nas chamadas plantas C3 e C4, cada uma com sua própria proporção de carbono leve a pesado. Todo fitoplâncton tem proporções muito semelhantes em comparação com suas homólogas terrestres. “Ao escolher apenas fontes marinhas, poderíamos limitar a incerteza da fonte de fitano no conjunto de dados”, diz Witkowski.
“Em nossos dados, vemos altos níveis de dióxido de carbono, atingindo 1000 ppm em oposição aos atuais 410 ppm. A esse respeito, os níveis atuais não são exclusivos, mas a velocidade dessas mudanças nunca foi vista antes. Mudanças que normalmente levam milhões de anos estão acontecendo agora em um século. Esses dados adicionais de CO2 podem nos ajudar a entender o futuro do nosso planeta”. Em pesquisas futuras, o fitano pode ser usado para ir ainda mais longe no tempo do que o Fanerozóico, o mais antigo já encontrado em amostras de dois bilhões de anos.