Água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, segundo cientistas

Felipe Miranda
Durante a seca de 2023, encontrou-se centenas de botos mortos. Imagem: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá

Pesquisadores do Instituto Mamirauá em Tefé, no estado do Amazonas, estão realizando constatações assustadoras. A água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, conforme resultados preliminares apresentados pelos pesquisadores.

Os resultados do estudo, que segue em processo de revisão, foram apresentados em 11 de julho durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que durou até o dia 13 de julho.

“O aquecimento [das águas amazônicas] é generalizado. Desde 1990 observamos uma tendência média de aquecimento de 0,6 ºC por década dos lagos amazônicos”, disse à revista Pesquisa Fapesp Ayan Fleischmann, coordenador do estudo. “É um aumento muito expressivo. Não houve um lago que não apresentasse uma tendência significativa. Todos estão aquecendo”.

O pico de aquecimento ocorreu em 2023, no período de seca. Durante esse período do ano, a temperatura do lago Tefé chegou a registrar mais de 40ºC em uma medição realizada ao longo de uma coluna de água de mais de 2 metros de profundidade.

Agua na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, segundo cientistas
Água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, segundo cientistas. Esse barco escolar ficou preso no leito desse lago durante a seca de 2023 no Amazonas. Imagem: Juliana Pesqueira / Amazônia Real

Com essa temperatura altíssima, houve a trágica morte de 209 botos, a maior parte dos quais, botos-cor-de-rosa e tucuxi.

“Especialistas da área de mamíferos aquáticos comentam que, se a gente encontra três carcaças de botos em algumas semanas, já é um alerta vermelho. Agora, 70 animais mortos em um dia [como aconteceu em 28 de setembro de 2023], é uma tragédia. Peixe morrer em uma seca extrema é muito comum na Amazônia, mas boto morrer nessa proporção ninguém tinha visto. A grande pergunta era o que estava acontecendo”, explica Fleischmann.

O caráter da tragédia gerou um grupo para tentar entender o que estava ocorrendo. A operação foi chamada de Operação Emergência Botos Tefé, que juntou instituições de pesquisa de dentro e fora do Brasil.

Durante essa operação, os cientistas conseguiram determinar a causa exata da morte dos botos: hipertermia. A seca ocasionou um nível mais baixo no lago, o que o tornou mais facilmente aquecível. Nesse mesmo período, a Amazônia ficou muitos dias seguidos com o céu extremamente limpo, aumento a incidência da radiação solar sobre o lago, que esquentou assustadoramente com a combinação desses fatores.

“Os botos que ficaram ali infelizmente vieram a óbito. E não só a temperatura foi extrema, mas a variação diária também. Chegou a ter 13 ºC de variação da temperatura ao longo do dia”, disse Fleischmann. A variação, combinada com o calor e o lago muito raso, fez com que os animais perdessem e ganhassem calor alternadamente de forma muito rápida. “Essa amplitude de temperatura é muito estressante para o animal, que atinge não só o limite de temperatura máxima, mas também de amplitude diária”.

Muito além: água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado, segundo cientistas

Em seguida, os pesquisadores decidiram realizar um mapeamento nas temperaturas dos lagos na Amazônia. No total, eles incluíram na análise 10 lagos. Mais da metade deles registrou temperaturas acima dos 37ºC. A água na Amazônia enfrenta aquecimento generalizado.

“Houve um aquecimento generalizado [durante o período da seca de 2023] e isso foi comprovado depois, quando olhamos para os dados de satélite. Hoje conseguimos estimar [in loco] a temperatura da água da superfície com alguma incerteza e é possível confirmar com dados de satélite”, explica Fleischmann.

Isso gerou verdadeiros problemas sociais.

“Foi uma verdadeira catástrofe humanitária o que aconteceu na Amazônia na seca de 2023. Não só as comunidades ribeirinhas, mas áreas urbanas em tributários do rio Amazonas e, especialmente, cidades que ficam em rios menores também ficaram muito isoladas”.

Parte do problema gerado pela seca é a fala de água potável. Estar cercado por água não garante que ela seja segura para beber e cozinhar. Assim, o pesquisador defende programas de captação de água da chuva e armazenamento em cisternas para que, mesmo com o tempo seco, a população local tenha acesso a água potável, pois mesmo a captação de água da chuva durante a seca de 2023, segundo cálculos dos pesquisadores, garantiria um acesso de pelo menos 16 litros de água por dia para cada pessoa da região.

Vale lembrar que esses problemas não são restritos de 2023, mas já ocorreram anteriormente, como já abordamos aqui.

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