Existem, ao menos, 16 definições diferentes de espécie. Segundo STANKOWSKI, S; RAVINET M (2021): “As espécies que reconhecemos influenciam decisões políticas e financeiras e orientam nossa compreensão de como as unidades de diversidade evoluem e interagem. Embora a ideia de espécies possa parecer intuitiva, um debate sobre a melhor maneira de defini-las já se acirrou antes mesmo de Darwin”.
A dupla realizou uma pesquisa onde entrevistaram diversos pesquisadores. Ao todo, com 19 perguntas, eles receberam resposta de 402 pessoas em 39 países diferentes.
“Descobrimos que a maioria dos entrevistados (86%) realiza suas pesquisas com um dos 16 conceitos de espécie em mente, com o restante tendendo a não usar um conceito”, conforme diz o artigo.
Segundo o trabalho, há 79% de chances de que dois pesquisadores, pelo menos dentro do grupo amostral (que responderam a pesquisa), utilizem conceitos diferentes sobre espécie.
O problema das espécies poderia ser resolvido?
O problema das espécies é alvo de um grande debate acadêmico.
No abstrato de seu artigo, ZACHOS, F. (2016) faz a seguinte colocação: “Ao contrário das falhas na engenharia, que são muito óbvias, o caso das espécies e da biologia é, infelizmente, muito mais difícil: os biólogos podem continuar a usar noções falhas ou inconsistentes de espécies sem nunca se darem conta disso, produzindo resultados espúrios em, por exemplo, avaliações da biodiversidade ou estudos ecológicos”
“Essas aplicações falhas das noções de espécies, por sua vez, podem então ser a base de decisões falhas na “vida real” – a priorização de habitats com base na riqueza de espécies ou no status de conservação dos táxons de espécies são apenas dois exemplos óbvios. Provavelmente não há quase nenhum outro conceito biológico que seja usado de forma tão diferente e inconsistente como o das espécies, com consequências às vezes inquietantes que em grande parte passaram despercebidas por muitos biólogos”, completa.
Esses conceitos de espécies podem ocorrer de várias formas. Por exemplo, um dos mais trabalhados nas escolas é o de isolamento reprodutivo – uma espécie é diferente da outra quando elas não podem se reproduzir e produzir descendentes férteis. Por exemplo, a mula é um animal resultante do cruzamento do burro com a égua ou da burra com o cavalo. Dessa maneira, o animal híbrido nem é considerado uma espécie propriamente dita, mas na taxonomia é tratado como E. cabalus x E. asinus – as espécies geradoras do animal.
Além da especiação baseada na capacidade de reprodução, há diversos outros conceitos – espécie filogenética (baseada na ancestralidade compartilhada), espécie morfológica (baseado em características físicas), espécie ecológica (baseada na noção de espécies de acordo com nichos em seu ambiente).
O problema fundamental de como se analisar e nomear os diferentes organismos por determinadas características é chamado, na literatura científica como o “problema das espécies”, ou “species problem”, já que não é tão comum encontrar materiais sobre o tema em português.
“Algumas das regras que estabelecemos não funcionam, e às vezes fica bastante confuso”, disse ao Live Science Jordan Casey, ecologista molecular marinho do Instituto de Ciências Marinhas da Universidade do Texas em Austin. “Os humanos querem inerentemente colocar ordem nas coisas, e mesmo eu tenho que tomar muitas decisões sobre se estou apenas vendo diversidade entre indivíduos ou tentando dobrar as coisas desnecessariamente em espécies diferentes.”
Por exemplo, em 2016, um estudo genético sugeriu que a espécie que chamamos de girafa poderia ser dividida em quatro espécies por causa de distinções genéticas. Segundo os pesquisadores, as análises identificaram “pelo menos quatro clados separados e monofiléticos, que devem ser reconhecidos como quatro espécies distintas de girafas sob o critério de isolamento genético”.
A ciência é um construto coletivo em busca da verdade, embora nem sempre a verdade de demonstre de maneira clara. A biologia não é uma ciência exata, como a física e às vezes as verdades não são absolutas. Tudo vai de acordo com um consenso da comunidade científica e, futuramente, novos conceitos de espécies que expliquem melhor podem surgir, assim como tudo pode permanecer da maneira como está.
A partir disso, nada se pode concluir e o problema das espécies continua até que um consenso surja – se é que surgirá.