Na segunda metade do século VI, os ávaros surgiram como uma força dominante na Europa, chegando a ocupar regiões da atual Áustria, Croácia, Hungria, Romênia, Sérvia e Eslováquia. Este povo guerreiro, apesar de não ter deixado registros escritos de sua própria cultura e história, é objeto de estudo graças a vestígios materiais. Tumbas repletas de riquezas, armas, cavalos e joias têm sido pistas importantes para arqueólogos e historiadores. Além disso, análises recentes de DNA têm fornecido novos insights sobre sua genealogia, contribuindo para a compreensão do legado arqueológico europeu.
Os ávaros, mencionados em relatos principalmente por povos com os quais entraram em conflito, como os Byzantinos, Francos e Turcos, permaneceram por muito tempo um enigma para a historiografia. No entanto, o avanço da arqueogenética abre uma janela para este passado obscuro, permitindo que pesquisadores reconstruam aspectos de sua existência e influência na Europa. Desvendar esse passado é crucial, pois oferece um novo entendimento sobre como diversas culturas e sociedades se entrelaçaram ao longo da história deste continente.
Os ávaros emergiram como um povo nômade de origem asiática e atraiu a atenção dos pesquisadores pelo seu marcante legado na história europeia. No século VI, eles ascenderam em meio às estepes da Ásia Central, notabilizando-se por sua notável habilidade equestre e estratégias de guerra avançadas. Tais talentos os levaram a estabelecer um império que estendeu sua influência desde a atual Rússia até a Hungria. Eram uma sociedade temida tanto pelos seus atos de pilhagem quanto pelo comércio, chegando a ameaçar a tomada de Constantinopla.
O impacto dos ávaros na história europeia se destaca tanto em contexto militar quanto cultural. Seu império, apesar de influente, conheceu o declínio no século IX, e muito de sua história segue envolta em mistérios. Uma descoberta particularmente intrigante foi revelada em uma pesquisa publicada em 2022, apontando evidências genéticas de um extenso êxodo – mais de 5.000 quilômetros da Mongólia para a Europa Central – impulsionado pela ascensão do Primeiro Império Turco por volta de 550. Essa migração representou a deslocação mais rápida já registrada na história humana, cobrindo tal distância.
Outra importante descoberta científica, publicada na revista Nature, trouxe luz ao estudo do DNA de 424 esqueletos localizados em quatro cemitérios distintos na Hungria, expandindo o conhecimento sobre a vida durante o período ávaro. Ademais, alguns historiadores créditam aos ávaros o desenvolvimento e disseminação do estribo na Europa, elemento depois essencial para a cavalaria continental.
A preservação da história dos ávaros é também valorizada pelas investigações arqueológicas, como evidenciado pelas atividades de escavação no cemitério ávaro de Rákóczifalva, enriquecendo a compreensão sobre este povo fascinante.
Zsófia Rácz, coautora do estudo e pesquisadora na universidade húngara, expressou surpresa quanto ao fato de os indivíduos nos cemitérios serem “muito interconectados”. No entanto, ela observou que o DNA feminino apresentava “origens mais diversificadas”. Quando os homens eram enterrados, eram-no juntamente com seus pais, mas os pais de suas esposas não se encontravam no mesmo cemitério, levando à crença de que os ávaros adotavam a prática da patrilocalidade.
A pesquisa também revelou que os homens não ficavam presos a um único parceiro por toda a vida. Evidências mostraram que “vários homens de uma mesma família poderiam ter filhos com a mesma mulher”. Isso sugere a possibilidade de práticas poligâmicas, casamentos monogâmicos sequenciais ou relações extraconjugais. As mulheres, no entanto, estavam mais envolvidas no leverato, uma prática comum nas sociedades das estepes eurasiáticas que segurava “tanto o provimento para as viúvas quanto a obrigação delas de respeitar os contratos de casamento condicionados à geração de herdeiros masculinos”, de acordo com Lara Cassidy, pesquisadora em genética no Trinity College de Dublin, que não participou do estudo.
A ausência de consanguinidade entre os ávaros, segundo os cientistas, sugere que “essa sociedade mantinha uma memória detalhada de seus ancestrais e sabia quem eram seus parentes biológicos ao longo das gerações”. A importância da oralidade é sugerida para transmitir esses conhecimentos dentro das comunidades ávaros, especialmente porque as mulheres praticavam explicitamente a exogamia.
A análise de DNA, embora limitada para determinar conclusões sobre a dinâmica de poder entre os gêneros, indica que os homens tinham maior probabilidade de ser enterrados com objetos que sugeriam um status mais elevado. Contudo, o estudo ressalta “o papel até então pouco conhecido, mas essencial das mulheres em garantir a coesão social e conectar as comunidades”.
Apesar do povo ávaros ter se tornado mais sedentário após sua chegada na Europa e ter vivenciado transformações culturais e políticas ao longo de sua história, esta pesquisa destaca uma estabilidade notável na estrutura social básica, sobretudo nas práticas relativas à parentesco e descendência, ao longo dos séculos.