Ouvir falar sobre múmias chilenas talvez seja algo que muitos iriam estranhar. É quase virtualmente impossível não associar de imediato múmias à imagem do Egito Antigo. Pirâmides, sarcófagos, maldições, etc; todos esses temas estão muito enraizados na cultura popular de forma que muitas das pessoas leigas irão assumir que esse é um fenômeno localizado na história daquela região. Porém a realidade não poderia ser mais diferente, pois elas já apareceram em diversas outras culturas, inclusive as próximas do Brasil.
Na América, por exemplo, existem as famosas Múmias de Guanajuato e no Peru já foram encontradas múmias que datam de períodos anteriores aos incas. O Egito já não detém nem mais o posto de exemplos de múmias mais antigas da história, pois evidências mostraram que, no Chile, povoados já mumificavam seus corpos há cerca de 7.000 anos atrás. A descoberta foi feita num velho cemitério do povo dos Chinchorros que habitaram a região que hoje é chamada de Deserto do Atacama.
Os Chinchorros foram um antigo povoado de caçadores-coletores que se estabeleceram entre o lado norte do Chile e o Sul do Peru mais ou menos por volta de 5.450 a.C. As evidências arqueológicas encontradas até hoje indicam que eles são originários da região amazônica próximos à costa e migraram em algum momento para o Chile. Chegando ao Atacama, eles iniciaram uma prática funerária que consistia em preservar seus mortos nas areias secas que hoje consistem em antigos cemitérios listados como Patrimônio Mundial da UNESCO.
Os cemitérios dos Chinchorros tem um valor arqueológico inestimável e que ajudam a entender mais das práticas daquela cultura, especialmente no contexto social e espiritual. E aqui se destaca a principal diferença entre as múmias chilenas e as egípcias. No Egito Antigo a mumificação era reservada apenas para a elite social, como os faraós, porém os Chinchorros concediam esse direito a todo o seu povoado.
O processo de mumificação dos Chinchorros
Além disso, o processo de mumificação dos Chinchorros também se distingue bastante dos egípcios. Primeiro as múmias chilenas tinham sua pele e órgãos removidos. Depois, assim que as cavidades dos corpos estivessem secas, eles costuravam a pele de volta. Então as múmias eram envolvidas com materiais feitos de cana, pele de leão-marinho e também lã de alpaca. Por fim, cobria-se os rostos dos mortos com uma máscara feita de argila com aberturas nos locais dos olhos e da boca. Também eram colocadas sobre as múmias perucas feitas de cabelo humano e só então elas eram enterradas no deserto para que fossem preservadas para sempre.
O arqueólogo alemão Mas Uhle foi o primeiro a documentar uma múmia dos Chinchorros. Ele descobriu os corpos em 1917 em uma praia. Porém, por conta do período da descoberta, ainda não era possível fazer determinar a idade das múmias chilenas com precisão. Isso só veio a ser possível com o desenvolvimento de técnicas de datação por carbono nas décadas seguintes. Desde então, centenas de novas múmias foram encontradas pelo Deserto do Atacama. As comunidades locais já tinham conhecimento das múmias há bastante tempo, pois como as covas não eram muito profundas os corpos eram facilmente encontrados até mesmo por animais.
Mudanças climáticas ameaçam as múmias chilenas
Atualmente existe uma grande preocupação com a preservação dos túmulos dos Chinchorros que estão sendo vítimas das mudanças climáticas dos últimos anos. A ação dos elementos da natureza acaba prejudicando a conservação dos corpos. Arqueólogos têm lutado para conseguir financiamento para a recuperação das múmias. Bernardo Arriaza, da Universidade de Tarapacá, deu uma entrevista ao The Guardian para chamar atenção para esses esforços.
Segundo Arriaza, nem mesmo dentro dos museus as múmias chilenas estão livres da ação das mudanças climáticas. A umidade do ambiente estimula o surgimento de mofo que acelera a decomposição dos corpos. Desde 2022 está em construção um museu com controle climático em Arica que poderá ajudar a proteger as múmias chilenas dos Chinchorros.