O programa espacial brasileiro está empacado. Não há recursos. A ironia é que nós temos um importantíssimo programa espacial. Os satélites brasileiros trazem uma importante análise do planeta — especialmente do nosso próprio país. A análise do desmatamento, das florestas, do meio ambiente como um todo, da atmosfera, das chuvas e muito mais detalhes tão importantes para um país de dimensões continentais.
Irônico atraso na exploração
O Brasil iniciou relativamente cedo no desenvolvimento de um programa espacial — em 1960. Durante a década de 1960, o programa espacial brasileiro estava no mesmo ponto de desenvolvimento que o da China e da Índia. Em 2003, a China lançava seu primeiro astronauta ao espaço e a Índia já está prestes a lançar seus astronautas. O Brasil tem um astronauta — o Marcos Pontes, mas ele foi treinado pela NASA e lançado para o espaço pelos russos; não temos essa autonomia toda.
Astronautas são um marco importante para um programa espacial bem-sucedido. Mas não são essenciais. Os Estados Unidos, mesmo, ficaram por bastante tempo sem lançar astronautas para o espaço, desde que os ônibus espaciais deixaram de funcionar, em 2011. Nesta última década, os astronautas americanos estavam sendo lançados pela espaçonave Soyuz, da Rússia. Somente agora, com o desenvolvimento de empresas americanas, com a SpaceX, que os Estados Unidos puderam voltar a lançar seus próprios astronautas.
No entanto, desde o início da exploração espacial, há uma coisa que os Estados Unidos não deixaram de fazer: lançar foguetes, satélites e ter uma autonomia em sua própria exploração remota. A soberania espacial para um país de grandes áreas é muito importante.
O Brasil só lança pequenos foguetes de sonda. Os grandes projetos, que seriam capazes de lançar grandes satélites, foram deixados de lado. Poderíamos lançar cargas maiores, mas o Brasil abandonou bons projetos, e hoje o programa espacial brasileiro está empacado
Em 2003, ocorreu a explosão do VLS (Veículo Lançador de Satélites) do Brasil, que podia lançar uma carga de até 380 kg para a órbita da Terra. O veículo marcava o início da autonomia do Brasil em lançamento de grandes cargas e abriria portas para o desenvolvimento de veículos maiores. Mas por redução de equipes e falta de investimentos, o projeto desandou, até que houve a explosão. Após isso, o projeto foi revisado e extinto em 2016.
Por que o programa espacial brasileiro está empacado?
O programa espacial do brasileiro está empacado por falta de verbas. Não é uma situação muito difícil de explicar. Diversas universidades e instituições de ensino foram gente capaz de trabalhar na área espacial. O ITA, da aeronáutica possui cursos de engenharia aeronáutica e aeroespacial, a USP também forma engenheiros aeronáuticos, por exemplo. Físicos e químicos são formados por todo o país. E interesse também há. O problema está na verba.
O programa espacial brasileiro mudou seu foco para uma área menos custosa. Agora, o foco não são mais grandes satélites e grandes foguetes, mas os nanossatélites. Além disso, há uma pretensão do Brasil em comercializar os lançamentos no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), a base mais bem posicionada do mundo, em parâmetros de economia de combustível no lançamento.
Em 2012, o Brasil possuía uma verba de 714,4 milhões de reais para o Programa Espacial, em valores corrigidos. Em 2021, o menor valor — 97,2 milhões. A previsão orçamentária para 2022 cresceu, mas timidamente — 127,6 milhões, conforme dados a Agência Espacial Brasileira coletados pela coluna de Carlos Madeiro no UOL.
A importância do programa espacial brasileiro
Eu disse que o programa espacial brasileiro está empacado, mas o título do texto também classifica o programa espacial brasileiro como importante — mas por quê?
Em fevereiro de 2021, um foguete indiano lançou o Amazônia-1, o primeiro satélite construído 100% no Brasil, pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O projeto foi completamente projetado, construído, testado e operado pelo Brasil. Só faltou ser lançado por nós.
O Amazônia-1 foi lançado para oferecer dados se sensoriamento remoto das florestas, agricultura, a região costeira, reservatórios de água e outros diversos pontos ambientais e estratégicos importantíssimos para o país. A tecnologia adquirida pelo projeto foi conseguida através de décadas de projetos conjunto com outros países, como China e Índia. Outros satélites já lançados também cumprem essa mesma função.
Há também a parte estratégica governamental e militar — missão cumprida pelo SGDC-1 (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas 1), operado pelo Brasil para funções de comunicação estratégica.
Abandono
O Inpe é um órgão extremamente importante para o país. Mas ele também está perdendo sua verba.
“O Inpe não tem hoje nenhum recurso para desenvolvimento de satélites. Isso é algo inédito”, disse Ricardo Galvão ao UOL.
Galvão é ex-diretor do Inpe. Ele foi exonerado pelo Presidente Jair Bolsonaro após as polêmicas das queimadas na Amazônia, em 2019, quando embateu contra o presidente que mentiu dizendo que dados do Inpe sobre desmatamento eram mentirosos.
O projeto dos micros e nanossatélites é bom — são mais baratos e mais fáceis de se produzir, lançar e operar e podem suprir as necessidades do país. Mas é necessária uma maior seriedade e foco. Se a comercialização do CLA de fato vingar, e o lucro for redirecionado para o nosso desenvolvimento espacial, pode haver uma retomada na competitividade. Mas enquanto não houver verbas para mão de obra e material, não temos o programa espacial que o Brasil Necessita.
Se o programa espacial brasileiro está empacado, a culpa é de uma política de Estado (não de um governo específico, mas histórico) que não valoriza a pesquisa e desenvolvimento da ciência e da tecnologia.