Ursos são o clássico símbolo do ato de hibernar para poupar energia durante o inverno. No entanto, ratos silvestres, esquilos e morcegos, além de diversos animais também o fazem. E conforme sugere um novo estudo, os primeiros humanos hibernavam. Os pesquisadores publicaram o estudo no periódico francês L’Anthropologie.
Na maior parte do território brasileiro, não sofremos muito com o inverno. No entanto, em regiões montanhosas e latitudes de clima temperado ou polar, os invernos agridem mais a vida – tanto vegetal como animal -, causando uma escassez de alimentos. Portanto, a melhor forma de se sobreviver é economizar energia e manter seu corpo funcionando somente para as funções essenciais. É aí que a hibernação entra – através dela, o animal reduz drasticamente o seu metabolismo.
Antes, no entanto, devo lembrar que trata-se, ainda, de uma hipótese. “Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, como já disse Carl Sagan. Então, por ora não podemos afirmar com certeza que os primeiros humanos hibernavam
Evidências?
Os pesquisadores encontraram evidências em sítios arqueológicos. Os ossos sugerem o comportamento para os neandertais e outras espécies humanas predecessoras aos sapiens. A última espécie humana a habitar o planeta foram os neandertais; as duas espécies co-habitaram o planeta por dezenas de milhares de anos.
Eles basearam-se em ossos encontrados em uma escavação na caverna Sima de los Huesos, em Atapuerca, na região norte da Espanha. Os restos mortais desses humanos primordiais remetem a mais de 400 mil anos atrás – antes mesmo dos homos sapiens surgirem.
O sítio arqueológico espanhol já exercia uma grande importância anteriormente, por tratar-se de um dos pontos-chave para o entendimento da evolução e do comportamento humano pela Europa. Lá, os pesquisadores encontram restos humanos já fossilizados de um grande período temporal em um poço de 15 metros de profundidade.
Eles argumentam que um padrão de lesões nos ossos são o principal indício que corrobora a afirmação. As lesões indicariam algumas variações sazonais em características dos ossos, isto é, variações temporais. Segundo os autores, o crescimento ósseo parou em diversos momentos, em intervalo de alguns meses.
“Tanto a hibernação animal quanto a osteodistrofia renal humana são caracterizadas por altos níveis de hormônio da paratireóide no soro. Para testar a hipótese de hibernação em uma espécie humana extinta, examinamos a coleção de esqueletos de hominídeos de Sima de los Huesos, Cave Mayor, Atapuerca, Espanha, em busca de evidências de hiperparatireoidismo após uma revisão completa da literatura”, relatam os pesquisadores no estudo.
Essas lesões causavam, inclusive, doenças ósseas nos indivíduos.
E se os primeiros humanos não hibernavam?
Uma das bases da ciência situa-se em questionar. Portanto, os pesquisadores resolveram testar eles próprios alguns questionamentos. Até os dias de hoje, diversos povos vivem de maneiras primitivas em locais extremamente frios, como os Inuit e Sámi. Mas por que, então, eles não hibernam?
Conforme a dupla de pesquisadores, os Inuit e os Sámi obtêm a energia e o alimento necessário para o inverno através dos gordurosos peixes que capturam. Portanto, não há a necessidade de se hibernar para poupar as reservas do corpo.
Mas para a região onde localiza-se a caverna Sima de los Huesos não havia essa disponibilidade imediata de alimentos nos arredores. A caverna localiza-se a uma distância consideravelmente grande do litoral para a constante obtenção de peixes e frutos do mar sem uma logística adequada, por exemplo.
“A aridificação da Península Ibérica não poderia fornecer alimentos ricos em gordura o suficiente para o povo de Sima durante o inverno rigoroso – fazendo com que eles recorressem à hibernação em cavernas”, escrevem os pesquisadores.
Além disso, eles citam outros mamíferos e primatas com comportamentos de hibernação. Segundo os cientistas, isso poderia manter as bases genéticas e fisiológicas para a hibernação nos seres humanos.
O que os outros cientistas pensam?
“É um argumento muito interessante e certamente estimulará o debate”, disse o antropólogo Patrick Randolph-Quinney ao The Guardian. “No entanto, existem outras explicações para as variações vistas nos ossos encontrados em Sima e devemos abordá-las completamente antes de chegarmos a quaisquer conclusões realistas. Isso ainda não foi feito, eu acredito”.
Os cientistas que não participaram do estudo se dizem fascinados com a possível ideia de que os primeiros humanos hibernavam, embora extremamente cautelosos.
O estudo foi publicado no periódico L’Anthropologie. Com informações de The Guardian e Independent.