10 ideias científicas que cientistas gostariam que você parasse de usar de forma errada

Diógenes Henrique

Muitas ideias deixaram o mundo da ciência e fizeram seu caminho para a linguagem cotidiana — e, infelizmente, elas são quase sempre usadas incorretamente. Pedimos a um grupo de cientistas que nos dissessem quais termos científicos eles acreditam serem os mais amplamente mal-entendidos. Aqui estão dez deles.

1 – Prova

O físico Sean Carroll diz:

Eu diria que “prova” é o conceito que é mais largamente mal compreendido de toda a ciência. Ele tem uma definição técnica (é a demonstração lógica de certas conclusões seguidas certas premissas) que é fortemente adversa do sentido em que ele é usado em uma conversa informal, na qual ele tem o simples significado de “forte evidência para alguma coisa”. Há um desencontro entre o que cientistas falam e o que as pessoas escutam, porque os cientistas tendem a ter uma forte definição do termo na memória. E, segundo essa definição, a ciência nunca prova! Então, quando somos questionados “Qual é a sua prova que nós evoluímos de outras espécies?” ou “Você pode realmente provar que as mudanças climáticas são causadas por atividades humanas?” nós tendemos a ficar inseguros e pensativos por alguns instantes ao invés de simplesmente dizer “Sim, é claro que podemos”. O fato de que a ciência realmente nunca prova nada, mas simplesmente cria sobre o mundo teorias cada vez mais e mais confiáveis e abrangentes que, no entanto, estão sempre sujeitas a atualizações e aperfeiçoamentos, é um dos principais aspectos do porquê a ciência é tão bem sucedida.

Imagem de duas geneticistas frustradas enquanto leem na internet, da série canadense Orphan Black.
Imagem de duas geneticistas frustradas enquanto leem na internet, da série canadense Orphan Black.

2 – Teoria

O astrofísico Dave Goldberg tem uma teoria sobre a palavra teoria:

Os membros do público em geral (junto com pessoas com um senso ideológico para labutar) ouvem a palavra “teoria” e a equiparam a “ideia” ou “suposição”. Sabemos mais. As teorias científicas são sistemas inteiros de idéias testáveis que são potencialmente refutáveis pela evidência à disposição ou por uma experiência que alguém possa realizar. As melhores teorias (em que eu incluo a relatividade especial, a mecânica quântica e a evolução) resistiram a cem anos ou mais de desafios, quer de pessoas que querem se provar mais inteligentes do que Einstein, ou de pessoas que não gostam de desafios metafísicos para sua visão de mundo. Finalmente, as teorias são maleáveis, mas não infinitamente. As teorias podem ser consideradas incompletas ou erradas em algum detalhe particular sem que o conjunto inteiro esteja ameaçado de colapsar. A evolução tem, ela própria, se adaptado muito ao longo dos anos, mas não tanto que não seja ainda reconhecida como sendo a mesma teoria. O problema com a frase “é só uma teoria”, é que nela está implícito que uma verdadeira teoria científica é uma coisa pequena, enquanto na verdade não é.

3 – Incerteza Quântica e Estranheza Quântica

Goldberg acrescenta que há outra ideia que foi mal interpretada de forma ainda mais perniciosa do que “teoria”. Isso acontece quando as pessoas se apropriam dos conceitos da física para fins “new age” ou espirituais:

Esse mal-entendido é uma exploração da Mecânica Quântica por certas linhagens de espiritualistas e de “autoajudas”, e personificada por abominações cinematográficas como “Quem Somos Nós?” (“What the Bleep Do We Know?”, Estados Unidos, 2004, direção de William Arntz). A mecânica quântica, como é do conhecimento de todos, faz medições no núcleo. Um observador medindo a posição ou momento ou a energia causa o colapso da função de onda, de modo não determinístico. (Inclusive, uma das primeiras colunas que escrevi foi “O quão esperto você precisa ser para colapsar uma função de onda?”.) Mas só porque o universo não é determinístico não significa que é a pessoa que o controla. E é notável (e, francamente, preocupante) que o grau com o qual a incerteza quântica e a estranheza quântica se ligam de forma indissociável em certos círculos com a ideia de alma, ou humanos controlando o universo, ou alguma outra pseudociência. No fim das contas, somos feitos de partículas quânticas (prótons, nêutrons e elétrons) e parte do universo quântico. Isso é legal, claro que é, mas somente no sentido de que toda a física é legal.

4- Aprendido versus Inato

A bióloga evolutiva Marlene Zuk diz:

Um dos meus usos errados favoritos é a ideia de comportamento “aprendido vs. inato” ou ou qualquer uma das outras versões “natureza versus criação”. A primeira questão que eu frequentemente recebo quando falo sobre comportamento é se é “genético” ou não, o que é uma compreensão errada já que TODOS os traços, TODAS as características, o tempo todo, são resultado de estímulos dos genes e do ambiente. Apenas as diferenças entre as características, e não a característica em si mesma, podem ser genéticas ou aprendidas — como se você tivesse gêmeos idênticos criados em diferentes ambientes que fazem coisas diferentes (como falar idiomas diferentes), então, essa diferença é aprendida. Mas falar italiano ou francês ou qualquer outro idioma não é totalmente aprendido em si, porque, obviamente, a pessoa precisa ter um certo aporte genético necessário para ser capaz de falar.

5- Natural

O biólogo sintético Terry Johnson está realmente muito cansado de pessoas confundindo o que suas palavras querem dizer:

A palavra “Natural” é uma palavra que vem sendo usada em tantos contextos com tantos significados diferentes que fica quase impossível de analisar. O seu uso mais básico, para distinguir fenômenos que existem somente em virtude dos seres humanos de outros fenômenos que não precisam deles para existirem, presume que os seres humanos são, de alguma forma, separados da natureza, e nossas obras são “anaturais” ou “não-naturais” quando comparadas, por exemplo, com as de castores ou de abelhas.

Quando se fala de comida, a palavra “natural” é ainda mais escorregadia. Ela tem diferentes significados em diferentes países e, nos EUA, o FDA (o Food and Drug AdministrationFDA, é o órgão do governo dos Estados Unidos responsável pelo controle dos alimentos) desistiu de uma definição significativa de alimentos naturais (em grande parte em favor de “orgânico”, outro termo nebuloso). No Canadá, eu poderia comercializar o milho como “natural” se eu evitar acrescentar ou subtrair várias coisas antes de vendê-lo, mas o milho em si é o resultado de milhares de anos de seleção por seres humanos, de uma planta que não existiria sem intervenção humana.

6 – Gene

E Johnson tem uma preocupação ainda maior com o uso da palavra gene:

Levou  dois dias controversos e 25 cientistas para chegar a: “uma região localizável da sequência genômica, correspondente a uma unidade de herança, que está associada com regiões reguladoras, regiões transcritas e / ou outras regiões de sequência funcional”. Significando que um gene é um pedaço discreto de DNA que podemos apontar e dizer, “que faz algo, ou regula a criação de algo”. A definição tem bastante espaço de manobra dessa forma; não faz  muito tempo que nós pensávamos que a maior parte do nosso DNA não fazia nada. Nós o chamamos de “DNA lixo”, mas estamos descobrindo que grande parte desse lixo tem propósitos que não foram imediatamente óbvios.

Geralmente o termo “gene” é mais mal-usado quando seguido por “para”. Há dois problemas com isso. Todos nós temos genes para a hemoglobina, mas nem todos temos anemia falciforme. Diferentes pessoas têm diferentes versões do gene da hemoglobina, chamados de alelos. Existem alelos de hemoglobina que estão associados com doenças de células falciformes, e outros que não estão. Assim, um gene se refere a uma família de alelos e apenas alguns membros dessa família, se houver, estão associados a doenças ou distúrbios. O gene não é ruim — confie em mim, você não vai viver muito tempo sem hemoglobina — embora a versão específica de hemoglobina que você tem pode ser problemática.

Eu me preocupo mais com a popularização da ideia de que quando uma há variação genética relacionada com algo, então dizem que este é o “gene para” esse algo. A linguagem sugere que “esse gene causa doenças cardíacas”, quando a realidade é geralmente “as pessoas que têm este alelo parecem ter uma incidência ligeiramente maior de doença cardíaca, mas não sabemos o porquê, e talvez haja vantagens compensadoras para esse alelo que não notamos porque não estávamos procurando por elas.

7 – Estatisticamente Significativo

O matemático Jordan Ellenberg quer definir o recorde de resposta mais direta indo logo ao debate sobre essa ideia:

“Estatisticamente significativo” é uma daquelas frases que os cientistas adorariam ter a chance de retomar e renomear. “Significativo” sugere importância; mas o teste de significância estatística, desenvolvido pelo estatístico britânico R.A. Fisher, não mede a importância ou o tamanho de um efeito; Somente se somos capazes de distingui-lo, usando nossas ferramentas estatísticas mais agudas, a partir de zero. “Estatisticamente visível” ou “Estatisticamente discernível” seria muito melhor.

8 – Sobrevivência do Mais Apto

A paleoecologista Jacquelyn Gill diz que as pessoas entendem mal alguns dos princípios básicos da teoria evolutiva:770824432688111025 (1)

No topo da minha lista estaria “sobrevivência do mais apto.” Primeiro, essas não são propriamente as próprias palavras de Darwin e, em segundo lugar, as pessoas têm um entendimento equivocado sobre o que significa “mais apto”. Além disso, há uma grande confusão sobre a evolução em geral, incluindo a ideia persistente de que a evolução é progressiva e direcional (ou mesmo deliberada por parte dos organismos, as pessoas não entendem a ideia de seleção natural) ou que todos os traços devem ser adaptativos (a seleção sexual é uma realidade! E as mutações aleatórias também são!).

O mais apto não significa mais forte ou mais esperto. Significa simplesmente um organismo que se encaixa melhor em seu ambiente, que poderia significar qualquer coisa de “menor” ou “mole” ou “mais venenosas” ou “mais capaz de viver sem água por semanas”. Além disso, as criaturas nem sempre evoluem de uma maneira que podemos explicar como adaptações. Seu caminho evolutivo pode ter mais a ver com mutações aleatórias ou traços que outros membros de sua espécie acham atraentes.

9 – Escala de Tempo Geológica

Gill, cujo trabalho se centra no pleistoceno, cujos ambientes  existiram há mais de 15 mil anos, diz que também está consternada com o quão pouco as pessoas parecem compreender as escalas de tempo da Terra:

Uma questão que eu muitas vezes encontro é que o público não tem uma compreensão das escalas de tempo geológicas. Qualquer coisa pré-histórica fica comprimida na mente das pessoas, e as pessoas pensam que há 20.000 anos atrás tínhamos espécies drasticamente diferentes (não), ou mesmo dinossauros (não, não e não). Não ajuda muito aqueles tubos de brinquedos pequenos de plástico frequentemente incluírem juntos dinossauros e povos da caverna ou mamutes.

10 – Orgânico

A entomologista Gwen Pearson diz que há uma constelação de termos que “viajam juntos” com a palavra “orgânico”, como “livre de produtos químicos” e “natural”. E ela está cansada de ver quão profundamente as pessoas os entendem mal:

Estou menos chateada com a forma como eles são tecnicamente incorretos (embora, claro, todos alimentos são orgânicos, porque contêm carbono, etc). Minha preocupação é a forma como eles são usados para dispensar e minimizar as diferenças reais na produção de alimentos e nas suas cadeias de produção.

As coisas podem ser naturais e “orgânicas”, mas ainda assim bastante perigosas.

As coisas podem ser “sintéticas” e fabricadas, mas seguras. E, às vezes, as melhores escolhas. Se você está tomando insulina, as probabilidades são de que ela provenha de bactérias geneticamente modificadas. E isso está salvando vidas.

Traduzido de: “10 Scientific Ideas That Scientists Wish You Would Stop Misusing”.

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