Verme sobrevive por um ano no corpo e cérebro de mulher australiana

Daniela Marinho
Imagem: Hossain M/Kennedy KJ/Wilson HL

Infecções parasitárias são relativamente comuns, sobretudo em regiões onde as condições sanitárias são precárias ou inadequadas, assim como o acesso à água potável é problemático. Os casos mais comuns envolvem a amebíase, esquistossomose, giardíase e cisticercose. No entanto, um neurocirurgião vivenciou uma experiência única: o primeiro caso humano de uma infecção parasitária pela lombriga Ophidascaris robertsi. O verme sobreviveu por um ano no corpo e cérebro de uma mulher de 64 anos.

O parasita e suas lavas são conhecidos por atormentar as serpentes do gênero píton. A descoberta acendeu o alerta sobre o perigo cada vez maior de transmissão zoonótica.

Verme é encontrado pela 1ª vez em cérebro humano

Vivo e medindo sete centímetros, o verme encontrado no corpo de uma mulher de 64 anos residente na Austrália, foi removido em junho de 2022 após a idosa se submeter a um procedimento cirúrgico. A equipe médica constatou que a larva já estava no terceiro estágio de desenvolvimento.

O caso inédito foi descrito num estudo publicado na edição mais recente da revista Emerging Infectious Diseases. No artigo, os pesquisadores supõem que é possível que a infecção da mulher tenha ocorrido de forma direta, por meio da ingestão de ovos do verme presentes em plantas colhidas para alimentação, ou de forma indireta, devido à possível contaminação das mãos ou utensílios de cozinha.

A saga dos médicos começou quando a paciente foi internada ainda em 2021 após apresentar sintomas de diarreia, febre, tosse seca e suores noturnos por três semanas. Em 2022, a mulher infectada apresentava quadros de esquecimento e depressão. Depois de se submeter a uma ressonância magnética, os médicos encontraram anormalidades e decidiram investigar.

Retirada do parasita

Enquanto estava realizando a biópsia, a neurocirurgiã Hari Priya Bandi precisou utilizar uma pinça para retirar o verme do cérebro da senhora. Imediatamente, Bandi contatou o médico de doenças infecciosas do Hospital de Canberra, Sanjaya Senanayake, dizendo “Oh meu Deus, você não acreditaria no que acabei de encontrar no cérebro desta senhora – e ele está vivo e se contorcendo”.

Senanayake, um dos autores do estudo, conta que esse fato trata-se de um marco sem precedentes, sendo este o primeiro caso documentado de infecção humana pela espécie Ophidascaris, e ainda mais notável por atingir diretamente o sistema cerebral de um mamífero.

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Verme visto sob um estereomicroscópio. Imagem: Hossain M/Kennedy KJ/Wilson HL

Os mencionados vermes, geralmente encontrados nos tratos gástrico e esofágico de pítons de carpete, têm agora sua relação ampliada para incluir os seres humanos como hospedeiros, porém de maneira acidental e desviante de seu ciclo natural. Em comunicado, Senanayake explica que “Normalmente as larvas da lombriga são encontradas em pequenos mamíferos e marsupiais, que são comidos pela píton, permitindo que o ciclo de vida se complete na cobra”.

Transmissão zoonótica

De acordo com os cientistas, a mulher supostamente adquiriu a infecção por lombriga ao realizar a colheita de vegetais provenientes do ambiente de Warrigal, adjacente a um lago. Coincidentemente, foi observado que uma serpente píton havia excretado o parasita nas imediações. O contágio aconteceu, provavelmente, ao tocar na grama diretamente ou se alimentar das verduras infectadas.

Essa ocorrência inédita em escala global ressalta a ameaça representada pela transmissão zoonótica, isto é, a disseminação de doenças e infecções de animais para seres humanos. Esse risco está em constante ascensão, uma vez que a proximidade crescente entre as populações humanas e animais, somada à contínua superposição de habitats, contribui para a sua amplificação.

Senanayake explica ainda que “Houve cerca de 30 novas infecções no mundo nos últimos 30 anos. Das infecções emergentes a nível mundial, cerca de 75 por cento são zoonóticas, o que significa que houve transmissão do mundo animal para o mundo humano. Isso inclui coronavírus […] Esta infecção por Ophidascaris não é transmitida entre pessoas, portanto não causará uma pandemia como SARS, COVID-19 ou Ebola. No entanto, a cobra e o parasita são encontrados em outras partes do mundo, por isso é provável que outros casos sejam reconhecidos nos próximos anos em outros países.”

Depois do ocorrido, a senhora foi encaminhada para sua casa, teve os sintomas melhorados e está sendo monitorada devido à raridade do caso.

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