Nanoscópio brasileiro para estudo do grafeno é capa da Nature

Samuel Fernando
Andreij Gadelha, primeiro autor do artigo, e o protótipo laboratorial do nanoscópio, no qual foram realizadas as medidas (Acervo do projeto)

O grafeno, uma das formas cristalinas do carbono, pode se transformar em um supercondutor, material que conduz eletricidade sem qualquer resistência, um fenômeno revelada em 2018 por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos. Artigo publicado na última quarta-feira (17 de fevereiro) na revista Nature, com destaque de capa, demonstra que o nanoscópio, equipamento óptico que revela imagens na escala do nanômetro (escala 1 bilhão de vezes menor que o metro), ajuda a extrair informações como as estruturas vibracional e eletrônica do grafeno, o que é importante para entender as propriedades desse material, incluindo sua supercondutividade. O aparelho foi desenvolvido por pesquisadores de diversas áreas da Universidade Federal do Minas Gerais (UFMG), e a tecnologia está pronta para ser transferida para a indústria.

Uma folha de grafeno é composta sequência de hexágonos formados por átomos de carbono. Quando duas folhas se superpõem e há rotação de um grau nessa superposição, o movimento cria uma configuração que eventualmente gera forte correlação de elétrons e supercondutividade. Essa foi a revelação experimental do grupo do MIT, que permanece incompreendida. “Uma instabilidade é criada quando a rotação é inferior a 1 grau. O conjunto tende, então, a retornar para a condição de equilíbrio (sem rotação), em uma reconstrução que forma regiões triangulares reveladas pelo nanoscópio. É possível, então, elucidar as propriedades físicas que podem levar à compreensão das correlações fortes e da supercondutividade do grafeno”, explica Ado Jorio.

A descoberta descrita no artigo está inserida no novo campo da twistrônica (twistronics, em inglês), no qual se emprega a tecnologia de girar, de forma precisa, uma camada de um material bidimensional sobre a outra. Segundo o primeiro autor do artigo, Andreij Gadelha, os materiais bidimensionais formam uma família de materiais ultrafinos da nanotecnologia (poucos átomos de espessura) que têm no grafeno seu representante mais conhecido. “Ao variar o ângulo entre as camadas, é possível modificar intimamente suas propriedades, gerando fenômenos físicos exóticos. Desta forma, a twistrônica traz inúmeras possibilidades de manipulação da matéria”, diz Andreij, que é doutor em física pela UFMG.

No procedimento descrito na publicação, os pesquisadores utilizam o nanoscópio para elucidar a estrutura atômica, vibracional e eletrônica das chamadas bicamadas de grafeno de baixos ângulos, incluindo aquelas que apresentam a supercondutividade. A antena é escaneada na superfície da amostra de grafeno. De acordo com Ado Jorio, é ilimitado o potencial das aplicações do nanoscópio, em áreas como química, biologia, física, engenharia e medicina. “Mudar do microscópio para o nanoscópio é como mudar do olho nu para o microscópio, um ganho de resolução de mil vezes”, ilustra o cientista.

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Capa da Nature de fevereiro (com imagem de Cassiano Rabelo) destacando o estudo publicados pela UFMG.

Essa pesquisa ilustra vários aspectos relevantes da importância da pesquisa científica, primeiramente o caráter multidisciplinar de pesquisas de ponta. A pesquisa que culminou na criação do nanoscópio uniu cientistas dos programas de pós-graduação em Física, Engenharia Elétrica, Ciência da Computação e Inovação Tecnológica, além de pesquisadores das áreas de Matemática Computacional, Química, Engenharia Mecânica, Engenharia de Produção e Arquitetura.

Também ressalta a importância da P&D para a ciência brasileira, sendo um destaque nesse aspecto. Nove patentes relacionadas ao equipamento foram depositadas pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG no Brasil, na China, na Europa e nos Estados Unidos. O Inmetro, que participou do desenvolvimento do nanoscópio, é cotitular de cinco patentes. Outro parceiro é a InventVision, spinoff da UFMG abrigada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec).

Por fim, o papel central da universidade pública, que responde por mais de 95% da produção científica no país,  mostrando a extrema necessidade e importância dos investimentos púbicos em pesquisas científica, que envolveu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Embrapii DCC/UFMG (Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que apoia o movimento de tecnologias dos laboratórios para o mercado, o Senai-Cimatec, além de cofinanciamento da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge).

“O artigo que publicamos agora é emblemático e eloquente ao atestar o valor da interdisciplinaridade e a efetividade do investimento contínuo público em ciência. Depois de 15 anos, o projeto atingiu maturidade para abrir as portas do mercado internacional e gerar recursos, empregos e desenvolvimento socioeconômico para o Brasil”, enfatiza Ado Jorio.

 

 

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