Mistério da cigarra zumbi é resolvido por pesquisadores de fungos que descobrem alucinógenos

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O fungo que infecta a cigarra "Massospora cicadina" produz uma anfetamina chamada catinona, que estimula as cigarras a se acasalarem e espalhar esporos fúngicos. Outras espécies do fungo produzem psilocibina, mais freqüentemente encontradas em cogumelos alucinógenos. (Foto: Matthew Kasson da West Virginia University)

Cientistas descobriram novos detalhes sobre um fungo que obriga seus hospedeiros a acasalar por muito tempo mesmo depois que seus órgãos genitais se foram e seus corpos se transformaram no que um pesquisador descreve como “saleiros da morte”.

Como uma animada manifestação do “Passeio das Valquírias” de Wagner, as cigarras periódicas (Magicicada septendecim) emergem do solo depois de passar um longo período sob o solo, às vezes mais de dez anos, dependendo da espécie. Algumas, no entanto, encontram um atacante durante a sua subida até a superfície do solo: um fungo mortal chamado Masspora cicadina.

As cigarras têm um ciclo de vida curioso. Entre a primavera e o verão, os machos adultos atraem as fêmeas emitindo um som alto. Após o acasalamento, as fêmeas põem seus ovos em troncos de árvores e morrem em seguida. A etapa de vida adulta dura cerca de um mês. Dos ovos surgem os insetos jovens (ou ninfas) que caem ao chão para entrar na terra. É neste mundo subterrâneo, sugando a seiva das raízes das árvores, que as ninfas vão permanecer de um a dezessete anos, dependendo da espécie. Após o solo, já com o exoesqueleto formado, como as cigarras cavam túneis e chegam à superfície, procurando árvores para se fixarem. É nessa fase adulta que as carapaças se rompem e os insetos iniciam o acasalamento e a reprodução. E, assim, o ciclo de vida se completa.

De acordo com uma pesquisa publicada em junho no periódico científico Fungal Ecology, esse fungo não apenas destrói os corpos das cigarras infectadas, mas também controlam as mentes delas com químicos conhecidos por serem estimulantes e psicodélicos em nós humanos. A pesquisa, publicada da edição de outubro do ano passado da Fungal Ecology, mas disponibilizada on-line só agora, focou em descobrir qual a causa do Masspora cicadina ser tão letal e em como ele se espalha.

Cigarra zumbi

O fungo é conhecido por fazer com que as cigarras se tornem ‘cigarras zumbis’ e quando partes do abdômen dos animais infectados se soltam, revelam uma camada interna branca, uma colônia do M. cicadina, onde deveriam existir os órgãos da cigarra zumbi.

Notavelmente este pesadelo não impede as cigarras de continuar na sua desventura. Na verdade, ele ajuda a manter o pesadelo. Durante as poucas semanas em que as cigarras adultas estão vivas acima do solo, as infectadas continuam suas tentativas de acasalamento e, quando uma cigarra doente entra em contato com outra, os fungos viciantes se espalham.

“Eles são apenas zumbis, no sentido de que o fungo está no controle de seus corpos”, diz o coautor, fitopatologista e professor da Universidade de West Virginia, Matthew Kasson, Ph.D.

Uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos analisou a bioquímica em populações de cigarras periódicas infectadas com o fungo patogênico, encontrando evidências de uma anfetamina associada à uma planta e uma substância química psicoativa encontrada em cogumelos alucinógenos.

Agora, isso realmente não deveria precisar ser dito. Mas de qualquer formar nos sentimos obrigados a dizer. Essa informação não deve de forma alguma sugerir que a infecção fúngica de cigarras deva ser considerada para sua próxima viagem, caso se esteja sendo pensado em uma possível conexão entre as coisas.

“Esses compostos psicoativos eram apenas dois dos cerca de mil compostos encontrados nessas cigarras”, diz o Professor Kasson. “Sim, esses dois compostos são notáveis, mas há outros compostos que podem ser prejudiciais aos seres humanos. Eu não correria esse risco”, explicou o especialista.

Espetáculos de terror espalhados por esporo como o M. cicadina estão nos livros técnicos há mais de um século, contudo as recentes pesquisas ampliam ainda mais os processos que esses patógenos usam para completar seu ciclo de vida.

A forma como as espécies fúngicas patogênicas produzem as moléculas poderia apontar o caminho para novos fármacos, já que as enzimas tipicamente responsáveis pelos compostos estão estranhamente ausentes neste caso.

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As cigarras se acasalam com suas extremidades traseiras se tocando. Quando as cigarras com uma infecção fúngica de Massospora cicadina se acasalam, partes do abdômen podem se soltar e grudar no parceiro de acasalamento. Mesmo depois de perder a parte do corpo, os insetos continuarão procurando por mais parceiros.

Hoje entendemos que uma pequena fração de cigarras é infectada por esporos em seu corpo e no solo à medida que emergem par a fase adulta. Estes podem, então, evoluir para a Fase II da infecção, onde o fungo floresce dentro dos corpos das cigarras infectadas e as transforma em pequenas espalhadoras do pó da desgraça.

Para aumentar as chances de infectar outra cigarra o fungo tem alguns truques na manga. Uma delas é encorajar os anfitriões do sexo masculino a bater as asas de uma maneira bastante feminina, atraindo outros machos e os enganando para um rápido aconchego. Isso feito, o pretendente a espalhador pó de esporos parte para encontrar outros companheiros, espalhando a doença.

Masspora levispora e o estimulante

Como se isso não bastasse, o fungo transforma os zumbis em robôs sexuais de contaminação desenfreada, mesmo depois de terem perdido seus genitais. Ainda que os corpos das cigarras tenham se tornam mofados e começam a perder membros – incluindo pedaços de seu

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Cigarras com e sem infecção pelo fungo Masspora cicadina. Observe cigarra masculina não infectada (à esquerda) que ainda tem a genitália e uma cigarra fêmea infectada, sem a genitália. (Crédito: Cooley et al, Nature, 2018)

abdômen e genitais – os invasores não diminuem a voracidade.

“Os adultos infectados mantêm ou aceleram a atividade do hospedeiro durante a esporulação, permitindo uma dispersão rápida e generalizada antes da morte do hospedeiro”, diz Kasson. A esporulação é o processo pelo qual alguns gêneros de bactérias, fungos, algas e plantas formam esporos, cuja função é proteger uma célula até que as condições ambientais se mostrarem favoráveis à sua germinação. É um estágio latente de vida.

Embora vários fungos tenham desenvolvido maneiras inteligentes de sequestrar os seus hospedeiros de forma que esse sequestro os auxiliem a se locomoverem, os fungos da ordem a que pertence o M. cicadina não desenvolveram o mesmo nível de exploração.

Assim, ao pesquisar o diverso leque de metabólitos dentro de insetos infectados selvagens, os pesquisadores adicionaram agora essa outra camada de detalhes ao método do fungo para o sequestro hostil.

Em quatro cigarras infectadas com M. cicadina, encontraram sinais de um alcaloide uma substância química derivada chamada catinona. Quimicamente semelhante às anfetaminas, essa substância é encontrada na planta Catha edulis (khat), um arbusto que cresce no leste europeu, e é amplamente conhecida por seus efeitos estimulantes.

É possível que o estimulante tenha evoluído no fungo para manter baixo o apetite das cigarras que eles tornam reféns e dar a elas um impulso extra para fazê-las passar pelos longos dias de transmissão da peste. O que é particularmente interessante é que este poderia ser o primeiro exemplo de catinona a ser produzida dentro de algo diferente de uma planta.

Outro patógeno fúngico chamado Masspora levispora também foi associado a níveis elevados de uma triptamina chamada psilocibina. A psilocibina é o composto químico responsável pelo efeito psicodélico dos cogumelos mágicos. Mas composto ser encontrado nas cigarras infectadas talvez não seja uma surpresa. Há boas razões para suspeitar que o produto químico tenha evoluído nos fungos como uma forma de suprimir o apetite dos insetos, mudando seu comportamento de maneira dissuasora.

O mistério continua

Encontrar essas substâncias que alteram a mente dentro dos insetos infectados é uma coisa. O mistério é saber como elas chegaram lá, especialmente sem sugestões dos metabólitos intermediários usuais, ou mesmo dos genes isolados. Portanto, o próximo passo é vasculhar os genomas dos fungos e ver como eles se expressam dentro de seus hospedeiros.

“Nós prevemos que essas descobertas promoverão um interesse renovado em fungos divergentes e seus metabólitos secundários farmacologicamente importantes, que podem servir como a próxima fronteira para a descoberta de novas drogas”, diz o Professor Kasson.

Por favor não nos faça ter que lembrar-lhes novamente para deixar os experimentos com os especialistas. A pesquisa publicada no Fungal Ecology pode ser lida na íntegra neste link.

 

Texto traduzido e adaptado do original do ScienceAlert.com. O texto original “Fungal Hallucinogens Send Cicadas on Sex Binges After Their Genitals Fall Off pode ser acessado clicando neste link.

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