Fósseis humanos levados ao espaço geram indignação entre arqueólogos

Elisson Amboni
Imagem: Stefan Heunis/Stringer/Getty Images

Em um evento sem precedentes, restos fossilizados de antigos ancestrais humanos, Australopithecus sediba e Homo naledi, foram transportados para o espaço em um voo da Virgin Galactic em 8 de setembro.

Os fósseis foram transportados por Timothy Nash, um bilionário nascido na África do Sul, em um tubo em forma de charuto do Spaceport America, no Novo México.

Esses fósseis em particular foram selecionados por Lee Berger, explorador residente da National Geographic Society e diretor do Centro de Exploração da Jornada Humana Profunda da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.

Berger, que desempenhou um papel importante na descoberta de ambas as espécies, escolheu um fragmento da clavícula de A. sediba de 2 milhões de anos e um osso do polegar de H. naledi para essa jornada.

O filho de Berger, Matthew, descobriu inicialmente o A. sediba, enquanto o H. naledi foi descoberto em 2013 dentro da caverna Rising Star por um grupo de pesquisadores a que Berger se referiu como “Astronautas Subterrâneos”.

Preocupações científicas e éticas levantadas

No entanto, essa jornada histórica sofreu reações negativas da comunidade científica. Alessio Veneziano, antropólogo biológico e co-organizador da conferência AHEAD (Advances in Human Evolution, Adaptation and Diversity), destacou quatro preocupações principais: falta de justificativa científica para o voo; questões éticas relacionadas ao respeito pelos restos mortais dos ancestrais humanos; acesso exclusivo de Berger a esses fósseis; e representação errônea das práticas de paleoantropologia.

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Os fósseis foram enviados em tubos. Imagem: Future

A viagem foi criticada por sua falta de propósito científico, especialmente considerando que qualquer mau funcionamento durante o voo poderia ter resultado em perda ou dano a esses espécimes de valor inestimável.

Na verdade, o pedido de autorização original de Berger para a SAHRA (South African Heritage Resources Agency, Agência Sul-Africana de Recursos Patrimoniais) descrevia que o objetivo era promover a ciência e trazer reconhecimento global para a pesquisa das origens humanas na África do Sul, em vez de abordar quaisquer questões científicas.

Justin Walsh, professor de arte e arqueologia da Universidade Chapman, na Califórnia, observou que, embora os arqueólogos espaciais estejam interessados no efeito do ambiente espacial sobre os itens no espaço, eles não usariam uma peça do patrimônio da Terra como um artigo de teste para ver o que acontece com ela.

Questões éticas sobre o tratamento de fósseis

A ética de tratar esses ossos fossilizados como meros espécimes científicos, em vez de restos mortais de nossos ancestrais coletivos, também levantou dúvidas.

Sonia Zakrzewski, bioarqueóloga da Universidade de Southampton, no Reino Unido, expressou sua consternação com a concessão da licença, declarando que isso não é ciência.

Rachel King, professora associada de estudos de patrimônio cultural na University College London, destacou as possíveis consequências mais amplas de um evento como esse, que poderia colocar o patrimônio arqueológico em risco de destruição.

Acesso desigual e privilégio expostos

A viagem espacial também destaca questões de privilégio e acesso desigual a recursos.

Nash, que transportou os fósseis a bordo da Virgin Galactic, é amigo de Lee Berger e é proprietário da maior parte do Berço da Humanidade, incluindo a terra onde o A. sediba foi descoberto. Muitos pesquisadores paleoantropológicos não têm esse nível de acesso a terras e fósseis.

Walsh sugeriu um diálogo aberto sobre a missão, incluindo mais informações sobre os riscos e benefícios, antes do voo. Ele também questionou se seria possível confiar esses fósseis à Universidade de Witwatersrand e a Lee Berger no futuro, dado o aparente desrespeito às considerações éticas.

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