Ecossistema de 2 milhões de anos é reconstruído por cientistas

Daniela Marinho
Ilustração artística do ecossistema Kap København há 2 milhões de anos. Imagem: Beth Zaiken

A partir de um DNA antigo, cientistas conseguiram reconstruir um ecossistema de 2 milhões de anos. O feito foi considerado como um avanço significativo na história do planeta Terra, pois a paisagem antiga refeita revelou como era um mundo muito distante nas margens geladas do Círculo Polar Ártico.

Diversas amostras coletadas do gelo — na formação geológica Kap København, na foz de um fiorde no norte da Groenlândia — dão aos cientistas a capacidade de recuperar e reconstruir o DNA ambiental de tempos remotos.

Cientistas conseguem reconstruir ecossistema antigo a partir de DNA

Publicada na Revista Nature, uma nova pesquisa permitiu a reconstrução de um ecossistema antigo, datado de 2 milhões de anos. Em depósitos sedimentares do permafrost da Groenlândia havia DNA – o material genético que norteou todos os trabalhos e permitiu os resultados.

O geneticista Eske Willerslev, da Universidade de Cambridge, em Reino Unido e a Universidade de Copenhague, na Dinamarca, disse que o estudo foi completamente relevante: “um novo capítulo abrangendo 1 milhão de anos extras de história foi finalmente aberto e, pela primeira vez, podemos olhar diretamente para o DNA de um ecossistema do passado tão distante no tempo […] O DNA pode se degradar rapidamente, mas mostramos que, sob as circunstâncias certas, agora podemos voltar mais no tempo do que qualquer um poderia imaginar”.

Proteção do DNA

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Deserto polar de Kap København hoje. Imagem: Nicolaj K. Larsen

O DNA se degrada rapidamente por conta do estresse ambiental, como processos geológicos, clima e micro-organismos, sobretudo micróbios famintos. Quando o DNA antigo sobrevive, significa que ele ficou preso e relativamente protegido em estruturas resistentes, como ossos e dentes.

Desse modo, o material enterrado sob o permafrost também está relativamente protegido. Uma série de amostras coletadas do gelo e do permafrost da formação geológica Kap København, na foz de um fiorde no norte da Groenlândia, oferece aos cientistas as fontes capazes de recuperar e reconstruir o DNA ambiental de tempos passados.

No entanto, a maioria das amostras foi colhida anos atrás durante outras expedições. Isso porque os cientistas coletam o material em quantidades maiores do que as necessárias, pois as expedições são caras. Assim, o material ficou guardado para quando surgisse a pesquisa ideal.

O geólogo Kurt Kjær, da Universidade de Copenhague, explica que “Não foi até que uma nova geração de equipamentos de extração e sequenciamento de DNA foi desenvolvida que conseguimos localizar e identificar fragmentos de DNA extremamente pequenos e danificados nas amostras de sedimentos […] Significou que finalmente conseguimos mapear um ecossistema de 2 milhões de anos”.

Assim sendo, as amostras foram consideradas, por alguns anos, como inúteis: eram fragmentos minúsculos com apenas nanômetros de comprimento, altamente degradados e muito incompletos, dando bastante trabalho aos cientistas.

Sequenciamento genético

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Camadas na rocha sedimentar de Kap København. Imagem: Kurt H. Kjær

Embora o DNA tenha requerido um trabalho minucioso, o avanço nas últimas décadas do sequenciamento genético permitiu a criação de um vasto banco de dados de DNA do mundo. Essas bibliotecas de DNA ofereceram aos cientistas um ponto de comparação para seus desafiadores fragmentos de DNA.

Dessa forma, os cientistas puderam, finalmente, reunir as peças que estavam faltando para um censo dos organismos cujo material genético ficou preso na rocha por muitos milênios.

Kjaer disse que “As antigas amostras de DNA foram encontradas enterradas em sedimentos que se acumularam ao longo de 20.000 anos […] O sedimento acabou sendo preservado no gelo ou permafrost e, crucialmente, não foi perturbado por humanos por 2 milhões de anos”.

A reconstrução possibilitou resultados incríveis: uma variedade de formas de vida compatíveis com um clima surpreendentemente temperado. Além disso, os cientistas encontraram animais relacionados a renas e caribus, lemingues, gansos, lebres e, curiosamente, mastodontes. Formigas, pulgas, corais e caranguejos-ferradura também deixaram sua marca no sedimento, assim como bétulas e choupos.

Possibilidades infinitas

Os resultados significam um vislumbre do futuro da Terra diante de um clima em mudança. O geogeneticista Mikkel Pederson da Universidade de Copenhagen, diz que “Um dos fatores-chave aqui é até que ponto as espécies serão capazes de se adaptar à mudança nas condições decorrentes de um aumento significativo na temperatura. Os dados sugerem que mais espécies podem evoluir e se adaptar a temperaturas muito variadas do que se pensava anteriormente”.

Willerslev afirma que “Se pudermos começar a explorar o DNA antigo em grãos de argila da África, poderemos coletar informações inovadoras sobre a origem de muitas espécies diferentes – talvez até mesmo novos conhecimentos sobre os primeiros humanos e seus ancestrais”. A pesquisa é deveras um grande avanço. “As possibilidades são infinitas”, acrescenta o cientista.

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