Equipe de quatro estudantes do Projeto Jupiter, grupo de extensão da USP dedicado à pesquisa e ao desenvolvimento de foguetes experimentais, criou um simulador de trajetória de foguetes, chamado RocketPy, que prevê o comportamento dinâmico de foguetes de sondagem durante o voo, garantindo a segurança dos lançamentos e o planejamento adequado para missões desta natureza. O código possui a capacidade de prever o comportamento de foguetes por meio da estimativa de diversos parâmetros físicos e matemáticos. Além dessas estimativas, são levadas em consideração as condições atmosféricas do local de lançamento a partir de dados históricos de agências meteorológicas ao redor do mundo.
O artigo que descreve o estudo, intitulado RocketPy: Six Degree-of-Freedom Rocket Trajectory Simulator, foi publicado na plataforma Asce library, com autoria dos estudantes Giovani Ceotto e Guilherme Fernandes e o professor Bruno Souza Carmo, da Escola Politécnica (Poli) da USP, e dos alunos Rodrigo Schmitt, do Instituto de Física (IF), e Lucas Azevedo Pezente, do Instituto de Matemática e Estatística (IME), ambos da USP.
É um pássaro, um foguete ou um míssil?
Os foguetes normalmente lançados pelas universidades, inclusive os do Projeto Jupiter, são de médio porte, conhecidos como foguetes de sondagem; bem diferentes do que vemos nos filmes e noticiários.
Guilherme Fernandes explica ao Jornal da USP que eles geralmente podem ser de duas categorias: os que atingem uma altura máxima (chamada apogeu) de 1 quilômetro (km) de altitude e os que chegam ao triplo disso. Estes mais potentes pesam cerca de 30 quilos (kg), têm, em média, 3 metros de comprimento e podem passar de 1000 km/h. Com essa velocidade chegam bem perto da barreira do som, ou seja, quase são mais rápidos que o som, que viaja a cerca de 1200 km/h — quando isso acontece, ouve-se um estrondo e o regime supersônico.
Os mais utilizados em lançamentos pela equipe são os mais modestos, com menor apogeu. Geralmente, eles possuem 8 kg de massa total, cerca de 2 metros de comprimento e podem atingir velocidades máximas da ordem de 600 km/h, o que significa que o foguete chega ao seu ponto máximo em aproximadamente 14 segundos, parâmetro também estimado com precisão pelo código.
Pelas dimensões dos veículos, eles são muito semelhantes a mísseis e, por isso, lançá-los é um risco. Por segurança, é necessário saber com boa precisão onde será o local de queda. Por isso, o objetivo da pesquisa foi desenvolver um software que conseguisse prever o comportamento dos foguetes, desde a ignição do motor, seu lançamento, até atingir seu apogeu e pousar. “Com o código desenvolvido, conseguimos uma boa precisão da posição de queda do foguete; temos um bom grau para determinar a área em que o foguete cai e, assim, garantir que não haja perigo”, afirma Giovani Ceotto. De acordo com ele, além de um paraquedas, que suaviza a aterrissagem e impede que caiam balisticamente, o que diferencia esses foguetes de mísseis é o propósito científico dado ao voo.
Ciência ao céu
Enquanto os grandes foguetes levam humanos ao espaço, os menores cumprem a missão de ajudar os pesquisadores a estudar características do voo e mais sobre a física e a biologia em elevadas altitudes.
Segundo Ceotto, outros grupos ao redor do mundo já lançaram experimentos para avaliar como o crescimento de diferentes culturas de bactérias pode ser afetado pelas altas acelerações de um lançamento, ou então pela microgravidade, condição de gravidade quase nula, que o foguete sente próximo ao apogeu.
Em outros estudos, o Projeto Jupiter desenvolveu experimentos relacionados ao controle de um pêndulo invertido na área de Dinâmica e Controle, um experimento químico baseado em osmose reversa e também um sistema de sondagem de condições climáticas, esse desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) — conta Ceotto.
Entretanto, para garantir que o foguete atenda às exigências de um experimento — chegue à aceleração, altitude e parâmetros corretos — é necessário simular sua trajetória. Pensando nisso, além dos aspectos de segurança, o software desenvolvido pela equipe garante o desempenho da missão.
Previsão do tempo e do comportamento dos foguetes
Além de variáveis como características do foguete, aerodinâmica e o comportamento do motor, as condições meteorológicas também impactam a precisão da trajetória do veículo.
Ceotto explica que uma das condições meteorológicas é o vento, sua intensidade, direção e variação conforme a subida do foguete; outras são a temperatura, pressão e umidade da atmosfera. Na prática, o método mais utilizado para conhecer essas variáveis é, logo antes do lançamento do foguete, soltar um balão meteorológico: um balão de hélio que sobe e coleta dados atmosféricos e, então, os dados são computados em simuladores.
“A limitação disso é que só se consegue fazer isso antes do voo e a gente precisava, meses antes, ter uma previsão meteorológica de como estariam as condições no dia do lançamento”, afirma. A solução da equipe foi adicionar ao software a capacidade de coletar dados de agências internacionais de meteorologia e processá-los para gerar as informações necessárias para a segurança e qualidade do lançamento.
Projeto Jupiter e a corrida espacial
Em meio à corrida espacial, grandes empresas bem consolidadas, como a SpaceX, fazem lançamentos de foguetes de maior porte, mas existem startups que buscam se afirmar no mercado. Um dos obstáculos enfrentados pelas pequenas empresas que chegaram atrasadas na disputa é o domínio de tecnologias de lançamento. Como informa Ceotto, os simuladores de trajetória de foguetes, em geral, são considerados tecnologias secretas de governos e grandes empresas.
Na contramão, o software feito pela equipe é aberto, ou seja, é disponibilizado gratuitamente ao público, e qualquer usuário pode fazer suas próprias contribuições. “Atualmente temos uma equipe de 14 estudantes trabalhando intensamente no desenvolvimento de novas ferramentas. Usuários podem procurar por essas pessoas, que fornecerão todo o apoio necessário”, conta Fernandes. Para acessar o código, não é preciso amplo conhecimento na área, basta acessar rocketpy.org e seguir os passos descritos na página para aprender a usar e contribuir com a pesquisa.
O código foi desenvolvido em linguagem de programação conhecida pelos alunos ao longo de três anos e voltado às necessidades do projeto. Parte dos dados que o compõem provem de projetos norte-americanos e europeus, de modo a comparar a simulação com os dados reais de lançamento. “É de destaque o resultado de um grupo de extensão ser publicado em uma revista de prestígio. Isso influencia nossos alunos a perceberem que produzimos conhecimentos de relevância e que valem ser compartilhados com a comunidade acadêmica”, afirma Giovani Ceotto.
Na USP, há o tripé: ensino, pesquisa e extensão. Ao entrar na Universidade, os estudantes são incluídos no pilar de ensino. Segundo Fernandes, ao entrar para o Projeto Jupiter – ou qualquer grupo similar da USP – os alunos começam a praticar o pilar de extensão, e colocam em prática os aprendizados obtidos através do ensino. O pilar de pesquisa foi contemplado pelos alunos do grupo com o artigo publicado. “A publicação em questão configura um novo marco para a Escola Politécnica”, completa.