Quando a religiosidade era representada pelo sexo: Pompeia

SoCientífica
Afresco em Pompeia de Terentius Neo e sua esposa.

À primeira vista, um visitante qualquer pode pensar que Pompéia era uma cidade obcecada por sexo. Esse pensamento viria à mente, primeiramente, por conta dos vários símbolos sexuais encontrados na cidade. Em locais públicos pode-se ver falos esculpidos nas calçadas, estradas e paredes. O gesto obtuso com esse objeto sexual leva os arqueólogos e historiadores a especularem sobre o porquê eles estarem posicionados naqueles locais e por que tão vastamente dispersos por toda a cidade. Mary Beard, historiadora especializada em história romana, especula com vários outros teóricos que os símbolos fálicos têm mais a ver com o poder masculino refletido naquela sociedade. O falo demonstra poder. E a cidade, cheia desses falos, demonstra sua masculinidade aos olhos externos.

Falos em uma parede de Pompeia.
Falos em uma parede de Pompeia.

A cidade de Pompéia, não podendo nos esquecer, era uma cidade do Império Romano. Sua cultura era um reflexo de sua metrópole. Tendo isso como pressuposto, possui as mesmas separações de classe e gênero, entre os que são privilegiados e os que não o são. A sexualidade reflete um pouco dessa circunstância. O homem socialmente superior possuía vida sexual mais privada em relação aos socialmente inferiores. Tendo em vista, também, que a economia romana era envolta da escravidão, muitos desses possuíam escravos que satisfaziam justamente seus propósitos libidinosos.

Outra característica notável em Pompeia, também, é que relações entre homens eram comuns. A cultura masculina, porém, tinha a ideia de que a penetração sexual era de imposição de poder, e quem estava sendo penetrado, certamente, estava numa posição inferior. Por esse motivo, muitos homens, ao que podemos chamar hoje de homossexuais, escondiam suas relações sexuais no intuito de não ser rebaixado na sociedade, por infligir a si mesmo um papel inferior, passivo, que só uma mulher poderia ser infligida por sua “qualidade natural de inferioridade.”

A mulher, como de praxe na antiguidade romana, tem papéis socialmente distintos dos homens. A mulher socialmente superior tem, principalmente, dois papéis: o primeiro, de reprodução; o segundo, de cuidadora dos afazeres domésticos. Ao contrário da mulher pobre, socialmente inferior ou escrava, possuía restrições severas e legais quanto à qualquer tipo de traição libidinosa. Os corpos dos escravos, porém, tanto de mulher como de homem, eram dispostos, a qualquer momento, para satisfação sexual dos socialmente superiores, não estando restritos a nenhum tipo de lei contra agressão ou estupro — afinal, o papel de servidão deles, para os romanos, também se referia à servidão sexual. Já os homens que eram socialmente inferiores e que queriam buscar prazer sexual, era necessário que recorressem às prostitutas, podendo ser encontradas tanto na rua quanto em bordéis.

Às prostitutas, num esforço por parte da tradição de separá-las do restante dos cidadãos romanos, foram impostas vestimentas específicas — usavam uma toga masculina, para não se igualarem ao restante das cidadãs, principalmente das mulheres socialmente superiores. Eram comum prostitutos, também. Dentre eles gladiadores, atores, homens pobres, etc.

A religião romana, por outro lado, muito presente na vida dos habitantes, tem caráter verdadeiro na vida das pessoas. A existência dos deuses era um fato, e não mera crença. A representação desses deuses na vida cotidiana era como se fosse lei. A religião pompeiana, como no restante de Roma, dava muito importância às imagens que representavam os deuses. Podemos ver, à exemplo da questão tratada, símbolos propriamente sexuais que revelam um caráter divino na representação da fertilidade, do amor e do prazer, além dos falos citados anteriormente.

Afresco erótico da deusa Vênus com o deus Marte. Pompeia.
Afresco erótico da deusa Vênus com o deus Marte. Pompeia.

A deusa Vênus, por exemplo, tem caráter íntimo na vida dos pompeianos na questão sexual e amorosa. Muitos cidadãos buscavam auxílio ou um ombro divino para lamentarem-se, e ela era a deusa que poderia servir-lhes nessas questões.

De certa forma, a religião e as práticas sexuais eram semelhantes na visão do povo. Ambas estavam conectadas e não se viam separadas. A representatividade de deuses era vasta, e suas especializações também. À exemplo de Hermafrodita, que possui órgãos sexuais masculinos e femininos, respectivamente, ajudando na questão do poder sexual e da fertilidade; e Baco, que induz o mortal ao êxtase;

Por fim, o excesso de objetos e símbolos encontrados nas escavações por modernos eram, à primeira vista, muito chocantes para ficar aos olhos do público, porque os que os olhavam, olhavam de forma anacrônica, e não percebiam que podiam estar olhando, na verdade, para símbolos, também, religiosos.

A cidade, mergulhada nessas representações, buscava estar em harmonia com os deuses, pois o erótico não era restrito apenas a bordéis — encontrava-se esses símbolos por toda Pompéia, seja em templos religiosos, casas e edifícios públicos. Isso deixa claro que a sexualidade e a religiosidade se complementavam na vida cotidiana dos pompeianos, e que, através desse conjunto, os cidadãos poderiam ter mais abundância e fertilidade.

Referências bibliográficas

BEARD, Mary. Pompeia: a vida de uma cidade romana. 1.ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.

SANFELICE, P. P. Amor e Sexualidade em Ruínas: As Pinturas da Deusa Vênus nas Paredes de Corlenia Veneria Pomperianorum. 126 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de História, Universidade Federal do Paraná, 2012.

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