Por que pessoas mais velhas se curam mais lentamente?

The Conversation
(Karolina Grabowska n/Pexels)

Eu recentemente visitei uma paciente de 83 anos de idade no hospital após socorristas a levarem para a sala de emergências com uma ferida infectada na perna. O desafio começou discretamente quando ela topou com a beirada afiada de uma mesa e acabou com um pequeno corte. A ferida da paciente não fechou, mas ela ignorou até acordar com dor duas semanas após machucar a perna. A filha dela ligou para o 911 após perceber irritação, descoloração da pele e pus – todos sinais de infecção. Nossa equipe médica tratou ela com antibióticos intravenosos e limpou a infecção, mas a ferida não se fechou completamente até pelo menos um mês depois, logo após ela receber alta do hospital.

Como a história é diferente quando crianças se cortam. É provável que elas gritem, inicialmente, mas dentro de alguns dias a casca do machucado cai mostrando uma nova pele. Porque a cura foi tão demorada na minha paciente de 83 anos comparada a uma criança saudável?

A resposta é a idade. Décadas de vida reduzem a velocidade de cura para a maioria dos tecidos, e feridas na pele podem oferecer uma janela para explicar porque essa demora ocorre.

Três estágios da cicatrização

Eu sou um médico que estuda como a idade predispõe pacientes a doenças como diabetes e se mudanças comportamentais como jejum intermitente podem diminuir o envelhecimento. A fim de entender porque a ferida na pela da minha paciente mais velha cicatrizou tão lentamente, é importante primeiramente entender como feridas cicatrizam em condições ideais da juventude.

O processo de cicatrização de feridas é classicamente categorizado em três estágios.

O primeiro estágio é inflamação, essencialmente a tentativa do corpo limpar a ferida. Durante a fase inflamatória, células imunes chamadas de fagócitos movem-se para a ferida, matam qualquer bactéria contaminante, e digerem e eliminam células mortas e debris.

Por que pessoas mais velhas se curam mais lentamente?

A inflamação prepara o terreno para a fase regenerativa, na qual diversos processos trabalham juntos para regenerar a pele danificada. Células de substituição da pele nascem quando as células nas margens da ferida se dividem, enquanto os fibroblastos preparam uma armação chamada matriz extracelular. Isso mantem as novas células juntas. Qualquer estrutura de suporte danificada da pele, como os vasos sanguíneos que fornecem oxigênio e nutrientes, também precisam crescer novamente. O segundo estágio fecha efetivamente a ferida e restaura a barreira protetora contra bactérias.

Por que pessoas mais velhas se curam mais lentamente?

A fase regenerativa é relativamente rápida, mas delicada – a pele nova é frágil. A fase do remodelamento final acontece ao longo de anos conforme a nova pele é progressivamente reforçada por diversos processos paralelos. A matriz extracelular, que era inicialmente formada irregularmente, é quebrada e substituída de forma mais durável. Qualquer célula residual das primeiras fases não são mais necessárias – como células imunes ou fibroblastos – e se tornam inativas ou morrem. Além do reforço da nova pele, essas ações coletivas também contribuem para a tendência de cicatrizes visivelmente sumirem com o tempo.

Por que pessoas mais velhas se curam mais lentamente?

Doenças perturbam o processo de cicatrização

Um modo principal pelo qual o envelhecimento pode desregular a ordenada e eficiente progressão dos estágios de cicatrização é por problemas de saúde que tem origem por idade avançada.

O diabetes é um exemplo de doença que é fortemente associada com idades avançadas. Uma das diversas formas pela qual o diabetes afeta a cicatrização é causando o estreitamento de vasos sanguíneos. Como consequência da circulação inadequada, nutrientes cruciais e oxigênio não alcançam a ferida em quantidades suficientes para abastecer a segunda fase regenerativa.

O diabetes é apenas uma de várias doenças relacionadas ao envelhecimento que perturbam processos normais no corpo como a cicatrização de feridas.

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A divisão celular é uma parte crítica da cicatrização, e quando as células perdem essa habilidade, a cicatrização sofre as consequências. ( Andrezj Wojcicki/Science Photo Library)

Células envelhecem também

Além dos impactos negativos de doenças associadas ao envelhecimento, as próprias células envelhecem. Num sinal extremo de envelhecimento celular chamado senescência, as células permanentemente perdem a habilidade de divisão. Células senescentes se acumulam na pele e muitos outros órgãos conforme as pessoas envelhecem e causam uma variedade de problemas.

Quando as células se dividem mais lentamente – ou quando elas param de se dividir totalmente devido à senescência – a pele fica mais fina. A substituição de células adiposas, que formam uma camada amortecedora embaixo da pele, também diminui com a idade. A pele de pacientes mais velhos, portanto, é mais propícia a lesões.

Uma vez que a pele de uma pessoa mais velha é ferida, a pele tem mais dificuldade em cicatrizar propriamente também. Células imunes envelhecidas e senescentes não conseguem defender contra bactérias, e o risco de infecções sérias na pele aumenta. Então no estágio regenerativo, taxas lentas de divisão celular acarretam regeneração mais lenta da pele. Minha paciente exibiu todos esses efeitos negativos da idade – a pele fina dela, quase uma pele translúcida rompida por um leve choque, infectou-se e levou quase dois meses para crescer completamente.

Mas células senescentes são mais do que espectadores disfuncionais. Por razões que ainda não são totalmente compreendidas, células senescentes liberam subprodutos tóxicos que danificam o tecido ao redor e levam à inflamação – mesmo quando não há ameaça de bactérias presente. Alguns desses subprodutos podem ainda acelerar a senescência em células vizinhas. Isso sugere que o envelhecimento intrínseco das células é em essência contagioso e células senescentes abastecem ativamente um ciclo descontrolado de inflamação de dano no tecido que posteriormente impede o sucesso da regeneração e cura.

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Não é só a pele que envelhece; tecidos ao redor do corpo perdem as habilidades de cicatrização conforme as pessoas envelhecem. (David Sacks/TheImageBank via Getty Images)

Um problema para o corpo todo

Sendo o tecido mais externo do corpo, a pele fornece uma superfície na qual pessoas podem se recuperar mais lentamente com a idade, mas todos os tecidos podem ser lesionados e são susceptíveis aos efeitos do envelhecimento. Lesões podem ser pequenas, repetitivas e construídas ao longo do tempo – como o efeito do fumo nos pulmões. Ou elas podem ser discretas e dramáticas – como a morte das células do coração com um ataque cardíaco. Diferentes tecidos podem cicatrizar de formas diferentes. Ainda assim, todos os tecidos compartilham sensibilidade às repercussões de um sistema imune em envelhecimento e diminuição da habilidade de regenerar células mortas ou danificadas.

Entender porque a cicatrização diminui com a idade é importante, mas minha paciente fez uma pergunta bastante prática que médicos frequentemente encaram de uma forma ou de outra: “Doutor, o que você pode fazer por mim?”

Infelizmente, o tratamento atual de feridas é bastante à moda antiga e frequentemente ineficaz. Algumas das opções disponíveis são a mudança de curativos, antibióticos quando a ferida está infectada ou tratamento em uma cabine de alta pressão de oxigênio quando a circulação é ruim devido ao diabetes.

Há esperança, contudo, que a medicina pode fazer melhor e que o progresso na compreensão do envelhecimento levará a novas terapias. Neutralizar células senescentes em ratos, por exemplo, melhora uma variedade de doenças associadas à idade. Enquanto é muito cedo para dizer que pesquisadores descobriram a fonte da juventude, eu sou otimista por um futuro quando médicos dobrarão a curva de envelhecimento e farão a pele e outros órgãos cicatrizarem mais rápido e melhor.

Por Matthew Steinhauser para The Conversation.

Tradução de Mateus Marchetto.

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