Perovskitas farão o diferencial na futura geração de equipamentos eletrônicos

Agência FAPESP
Chelyabinsk Oblast Russia

Pontos quânticos são nanopartículas de material semicondutor compostas por apenas alguns milhares de átomos. Esse número reduzido faz com que os pontos quânticos tenham propriedades que são um meio-termo entre as da molécula, que têm alguns poucos átomos, e as do material sólido, formado por uma enorme quantidade deles. Isso possibilita que, com o controle adequado do tamanho e da forma das nanopartículas, seja possível interferir em suas propriedades eletrônicas – como os elétrons ficam ligados e se movimentam pelo material – e ópticas – como a luz é absorvida e emitida por esse material.

O controle do tamanho e forma das nanopartículas tem viabilizado o seu uso em aplicações comerciais, algumas já disponíveis, como lasers, LEDs e TVs incorporados com tecnologia de pontos quânticos.

Mas há um problema que pode prejudicar a eficiência de dispositivos que usam esse nanomaterial como meio ativo: quando a luz é absorvida por um material, os elétrons são promovidos a níveis superiores de energia. E, ao voltarem para o seu estado fundamental, cada um deles pode emitir um fóton de luz de volta para o ambiente. Nos pontos quânticos convencionais, esse caminho de volta do elétron para seu estado fundamental pode ser perturbado por vários fenômenos quânticos, retardando a emissão luminosa para o exterior.

O aprisionamento do elétron em alguns estados quânticos, chamados de “estado escuro”, retarda a emissão luminosa, em contraste com o caminho que permite a volta rápida do elétron ao patamar fundamental e, portanto, a emissão de luz de forma mais eficiente e direta, caracterizado como “estado claro”.

Existe, porém, uma nova classe de nanomateriais, fabricados com perovskitas, na qual esse retardo pode ser menor. Por isso, as perovskitas transformaram-se em uma espécie de “bola da vez” no campo da ciência dos nanomateriais, mobilizando grandes esforços de pesquisa.

Um estudo conduzido por pesquisadores dos Institutos de Química e de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em colaboração com pesquisadores da University of Michigan avançou bastante nesse sentido, fornecendo novos insights sobre a física fundamental atuante nos pontos quânticos de perovskita. Artigo a respeito foi publicado em Science Advances: Multidimensional coherent spectroscopy reveals triplet state coherences in cesium lead-halide perovskite nanocrystals.

“Nesse trabalho, utilizamos uma técnica de espectroscopia coerente que permite avaliar separadamente o comportamento dos elétrons de cada nanomaterial em um conjunto de dezenas de bilhões de nanomateriais. O ineditismo do nosso estudo foi que ele combinou uma classe de nanomateriais relativamente nova, a perovskita, com uma técnica de detecção completamente nova”, diz Lázaro Padilha Junior, o coordenador brasileiro da pesquisa, à Agência FAPESP.

O estudo recebeu suporte da FAPESP por meio de Apoio a Jovens Pesquisadores e de Auxílio à Pesquisa Regular concedidos a Padilha.

“Foi possível averiguar o alinhamento energético entre os estados claros [associados a tripletos] e o estado escuro [associado a singletos], indicando como esse alinhamento depende do tamanho do nanomaterial, além de revelar informações a respeito das interações entre esses estados. Isso pode abrir espaço para o uso desses sistemas em outras áreas da tecnologia, como a da informação quântica“, afirma o pesquisador.

E explica: “Devido à estrutura cristalina da perovskita, seu nível de energia claro divide-se em três, formando um tripleto. Isso abre vários caminhos para a excitação e a volta dos elétrons ao estado fundamental. O resultado mais impactante do trabalho foi que, por meio da análise dos tempos de vida de cada um dos três níveis claros e das características do sinal emitido pela amostra, obtivemos evidências de que o nível escuro está presente, mas situa-se em um patamar de energia maior do que dois dos três níveis claros. Isso significa que, ao iluminarmos a amostra, os elétrons excitados só ficarão presos caso ocupem o mais alto nível claro e depois sejam deslocados para o nível escuro. No caso de ocuparem os níveis claros mais baixos, eles retornarão a seus estados fundamentais de forma mais eficiente”.

Para estudar como os elétrons interagem com a luz nesses materiais, o grupo utilizou a técnica de espectroscopia multidimensional coerente (EMC), iluminando por meio de uma série de pulsos de laser ultracurtos (com duração de aproximadamente 80 femtossegundos – isto é, de 80 quadrilionésimos de segundo) uma amostra de pontos quânticos de perovskita resfriados a menos 269 graus Celsius.

“Os pulsos atingem a amostra em intervalos de tempo muito bem controlados. E, modificando esse intervalo de tempo e detectando a luz que a amostra emite em função do intervalo, podemos mapear com alta precisão temporal a interação dos elétrons com a luz e sua dinâmica: tempos característicos de interação, níveis de energia com os quais eles se acoplam e interação com outras partículas”, informa Padilha.

A técnica utilizada permite interrogar bilhões de nanopartículas ao mesmo tempo, diferenciando as diferentes famílias de nanopartículas presentes na amostra.

O sistema experimental foi desenvolvido sob o comando do professor Steven Cundiff, coordenador do estudo em Michigan, e parte das medidas foi feita por Diogo Almeida, que integrou o grupo de Cundiff e que hoje, sob a supervisão de Padilha, é bolsista de pós-doutorado da FAPESP no laboratório de espectroscopia ultrarrápida na Unicamp.

A síntese dos pontos quânticos foi realizada pelo aluno de doutorado Luiz Gustavo Bonato, no Instituto de Química da Unicamp. “O cuidado e o protocolo empregados por Bonato no preparo desses pontos quânticos foram fundamentais, pois se refletem não apenas na qualidade como também no tamanho, e por sua vez nas propriedades do material manométrico”, comenta Ana Flávia Nogueira, outra coordenadora do estudo no Brasil. Nogueira é professora do Instituto de Química da Unicamp e pesquisadora responsável pela Divisão de Pesquisa 1 do Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e pela Shell.

“O resultado obtido é muito importante pois o conhecimento das propriedades ópticas do material e de como seus elétrons se comportam abre caminho para o desenvolvimento de novas tecnologias em óptica e eletrônica de semicondutores. A incorporação da perovskita será, com muita probabilidade, o grande diferencial dos próximos televisores”, finaliza Nogueira.

Este artigo foi originalmente publicado pela Agência FAPESP sob uma licença Creative Commons.

Compartilhar