O que quatro anos de inação climática fizeram com o Brasil

O governo do presidente Jair Bolsonaro foi marcado pela irresponsabilidade ambiental e pelo respaldo aos interesses de grandes empresas.

Daniela Marinho
Desmatamento. Imagem: Canva

No próximo dia 30 de outubro ocorrerá o segundo turno das eleições presidenciáveis no Brasil. O momento, quase que histórico, pode significar o retorno de ações climáticas que foram negligenciadas por quatro anos de massiva irresponsabilidade ambiental. O governo do presidente Jair Bolsonaro foi marcado pelo desrespeito aos regulamentos e pelo respaldo aos interesses de grandes empresas em detrimento do desenvolvimento sustentável e ecológico.

De acordo com Thiago Kanashiro Uehara, pesquisador brasileiro do think tank Chatham House, a presidência do Bolsonaro significou prejuízos para o movimento climático do Brasil: “Não apenas as emissões aumentaram, mas o crescimento econômico associado beneficiou grandes empresários ou consumidores no Ocidente, aproveitando as importações baratas, em vez de populações brasileiras locais ou indígenas.”

Em 1992, no Rio de Janeiro, houve a convenção internacional sobre mudanças climáticas que, mais tarde, culminou na Conferência das Partes (COP) – reuniões que eram realizadas a cada ano para tratar de assuntos climáticos. Por essa e outras razões, o Brasil, até 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, era visto nacional e internacionalmente como um país desbravador da diplomacia ambiental.

Pioneiro na política de mudanças climáticas, o país começou a preocupar os cientistas antes mesmo da posse de Bolsonaro, que sinalizava para a desistência do Acordo de Paris e retirada da oferta do Brasil para sediar a 25ª Conferência das Partes da ONU (COP25). O Brasil perdeu a Divisão de Mudanças Climáticas, que até então liderava os esforços climáticos do Brasil na ONU. Tais ações iniciavam o que viria a ser uma tentativa de bloquear o acesso brasileiro ao Brasil.

Amazônia degradada

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo. Mas essa caraterística está longe de ser a principal: a floresta é responsável por absorver, por ano, dezenas de milhões de toneladas de carbono, influenciando em vários processos da natureza. Não há, desse modo, como falar em prejuízos ambientais sem lamentar profundamente os danos causados na Amazônia que podem chegar à degradação irreversível.

Os principais fatores responsáveis pelo desmatamento na Amazônia são a produção de carne bovina, a produção de soja e a de ração animal. No entanto, segundo dados de satélite rastreados pelo Ministério do Meio Ambiente, a cada ano do governo Bolsonaro o desmatamento na região aumentou: somente nos primeiros seis meses de 2022, a floresta perdeu uma área de 3.988 km².

Os dados corroboram com o enfraquecimento das proteções ambientais que visavam, entre outras coisas, reduzir a extração ilegal de madeira. Assim, não houve mais impedimento e sanções para grandes mineradores e agrícolas que utilizassem os recursos da Amazônia mesmo que de forma irregular. Em contrapartida, o que se observou entre 2003 e 2010, durante o governo Lula, foi justamente o contrário: o desmatamento atingiu um pico em 2004 antes de cair 3/4 no final da década.

Redução no desmatamento não é realidade

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Imagem: Canva

Em 2020, o Brasil precisava reduzir o desmatamento da Amazônia em 80%, mas a promessa não foi cumprida, embora o compromisso tenha sido feito à ONU pelo país. Além disso, há a promessa de que até 2028 o desmatamento ilegal na floresta seja erradicado. Contudo, sem uma regulamentação forte, o objetivo não será alcançado.

A diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade, Ana Toni, afirma que “a ação climática tem sido inexistente no Brasil sob Bolsonaro […] Em vez de acabar com o desmatamento, Bolsonaro incentivou as pessoas a desmatar, legal e ilegalmente. As emissões do Brasil aumentaram em 2019, 2020 e 2021 à medida que a Amazônia queimava, e não houve nenhum programa de reflorestamento introduzido.”

Contradição energética

Se por um lado a energia solar e a eólica são fontes de energia renovável, economicamente mais atrativas e ecológicas – portanto, mais “limpas” que as energias provenientes dos combustíveis fósseis – por outro lado, Bolsonaro mostra interesse em desenvolver mais barragens, o que colocaria em risco as comunidades ribeirinhas como também o habitat natural da Amazônia.

Mesmo sendo considerada uma fonte de energia renovável, as usinas hidrelétricas estão envoltas em contradições, preocupações ambientais e até mesmo inflação dos direitos humanos: basta recordar da usina de Belo Monte, cuja conclusão necessitou da remoção de povos indígenas de suas terras.

Segundo a Agência Reguladora de Eletricidade do Brasil, há 31 usinas hidrelétricas em fase de planejamento na Amazônia, além de 32 que já existem, enquanto outros 57 locais foram caracterizados como “altamente promissores”.

Defesa dos combustíveis fósseis

A queima dos combustíveis fósseis é um dos fatores para o acentuado aumento do efeito estufa e consequentemente, o aquecimento global. Ademais, os combustíveis fósseis estão relacionados a diversos danos ao meio ambiente.

Entretanto, Bolsonaro defende, veementemente, os combustíveis fósseis, tomando medidas que intensificam a geração desse tipo de energia, como a extensão da vida útil das usinas de carvão e os subsídios à geração de carvão até 2040; ademais, pressionou na expansão das indústrias de gás e petróleo do país.

Produção de petróleo

O Brasil é, atualmente, o 9º maior produtor de petróleo do mundo. De acordo com os dados da Statistical Review of World Energy da BP. O volume de petróleo e gás extraído no país ampliou significativamente nas ultimas décadas, após grandes campos de petróleo na costa sudeste terem sido descobertos.

Esse fator fez com que o Brasil não atendesse o alerta de 2021 de que nenhum novo campo de petróleo e gás deve ser desenvolvido se o mundo chegar a zero líquido até meados do século. Enquanto a Petrobrás disse estar cautelosa em diversificar completamente para longe de seus ativos de petróleo e gás, o governo Bolsonaro afirma que planeja amplificar a produção de petróleo em 70% até o final da década.

Futuro incerto ou esperança?

Gonzalez, da Climate Analytics, aponta para a importância de se rever o que está acontecendo: “Seja Lula ou Bolsonaro que chega ao poder, o Brasil tem a obrigação, como sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, de mudar de rumo”. Dessa forma, as eleições gerais podem mudar essa trajetória nada positiva para as questões ambientais do Brasil.

Vale salientar que a Amazônia, pela primeira vez, tem sido tema de debates nessas eleições e se mostra como um assunto de relevância para a população apta ao voto. Enquanto o candidato à reeleição se mostra irredutível quanto aceitar ajuda de outros países na proteção da floresta, Lula trouxe como uma das pautas de sua campanha, a promessa de que colocaria fim ao desmatamento acelerado da Amazônia, bem como afirmou que criaria um ministério para os povos nativos e sancionaria repressões firmes voltadas aos garimpeiros ilegais.

Diante do cenário e longe de representar a resolução de todos os problemas do país, Lula demonstra-se mais aberto ao diálogo, mais sensível com as questões climáticas e comprometido com deixar nas mãos públicas o que é seu por direito.

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