Nosso universo pode ter um gêmeo que retrocede no tempo

Dominic Albuquerque

Uma nova e surpreendente teoria sugere a existência de um “anti-universo”, prévio ao Big Bang, e que retrocede no tempo. Essa ideia supõe que o universo primitivo era pequeno, quente e denso — e tão uniforme que o tempo flui de maneira simétrica, indo para frente e para trás.

Se for verdade, a nova hipótese significa que a matéria escura não é tão misteriosa como pensamos; ao invés disso, ela seria apenas uma demonstração de uma partícula chamada neutrino, que só pode existir nesse tipo de universo.

A teoria ainda implica que não haveria a necessidade do período de “inflação” no universo, que expandiu o tamanho do cosmos logo após o Big Bang.

Caso se confirme, experimentos futuros em busca de ondas gravitacionais, ou em busca da massa dos neutrinos, podem responder de uma vez por todas se esse anti-universo espelho de fato existe.

A simetria cósmica

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A existência de um universo gêmeo obedeceria à simetria CTP. Imagem: Pexels

Os físicos já conseguiram identificar um conjunto de simetrias fundamentais na natureza. As três mais importantes são: carga (se você inverte as cargas de todas as partículas envolvidas numa interação para a carga oposta, você obtém a mesma interação); paridade (se você observa a imagem espelhada de uma interação, você obtém o mesmo resultado); e tempo (se você faz uma interação voltar no tempo, ela tem a mesma aparência da original).

As interações físicas obedecem a maioria dessas simetrias, durante a maior parte do tempo; isso significa, então, que às vezes há violações. Mas os físicos nunca observaram uma violação da combinação dessas três simetrias ao mesmo tempo.

Se você pegar toda e qualquer interação observada na natureza e inverter as cargas, pegar a imagem espelhada delas e fazê-las voltar no tempo, essas interações se comportarão da mesma maneira.

Essa simetria fundamental recebe o nome de simetria CTP (C para carga, P para paridade e T para tempo).

Num novo artigo publicado recentemente na revista Annals of Physics, os cientistas propõem uma extensão dessa simetria. Normalmente, a simetria só se aplica a interações – as forças e campos que constituem a física do cosmos.

Mas, se essa simetria é tão importante assim, talvez ela possa se aplicar a todo o universo. Ou seja, a ideia estenderia a aplicação da simetria, incluindo não apenas os “atores” do universo (as forças e campos), mas o “palco” em si, ou seja, o próprio universo como um todo.

Os universos gêmeos

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O universo espelho retrocederia no tempo, devido à simetria CTP. Imagem: Getty Images

Vivemos num universo em expansão. Esse universo está preenchido com uma imensa quantidade de partículas, desempenhando uma imensa quantidade de coisas interessantes; além disso, a evolução do universo se move para frente no tempo.

Se estendermos o conceito da simetria CTP para todo o cosmos, então a nossa visão atual do universo não consegueria englobar tudo o que de fato está acontecendo.

Ou seja, pode haver mais do que vemos. Para preservar a simetria CTP no escopo cósmico, então, teria que haver um universo espelho, que possa balancear o nosso. Esse cosmos teria todas as cargas opostas às que temos, estaria espelhado, e retrocederia no tempo – aplicando, assim, a simetria CTP.

Então, isso significa que nosso universo pode ter um gêmeo. Unindo os dois, ambos obedeceriam à simetria.  

Os pesquisadores do estudo então refletem sobre quais seriam as consequências de um universo dessa natureza.

A matéria escura revelada

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Algumas teorias sugerem que a matéria escura pode ter se originado de um buraco negro primordial. Na teoria da simetria CTP, ela seria o neutrino “destro” do nosso universo.

Um universo que respeita a simetria CTP naturalmente se expande e se preenche de partículas, sem a necessidade de um suposto período longo de expansão rápida, nomeada como “inflação”.

Ainda que haja muita evidência de que tal evento tenha ocorrido, elas são nebulosas… Tão nebulosas que há espaço para se considerar outras alternativas.

Além disso, um universo dessa natureza teria neutrinos em sua constituição. Existem três tipos conhecidos de neutrinos: neutrino do elétron, neutrino do múon e neutrino do tau. Esses três neutrinos são “canhotos” (referindo-se à direção de sua rotação em relação ao movimento).

Todas as outras partículas conhecidas possuem variações canhotas e destras; assim, os físicos têm considerado, por muito tempo, se existiriam neutrinos destros também.

Um universo a seguir a simetria CTP teria que possuir pelo menos um tipo de neutrino destro. Essa espécie seria invisível a experimentos físicos, influenciando o resto do universo somente através da gravidade.

Isso parece familiar, e não por acaso: uma partícula invisível que preenche todo o universo e só interage através da gravidade é um conceito semelhante ao da matéria escura.

Os pesquisadores descobriram que as condições impostas por um universo obedecendo a simetria CTP preencheria o nosso cosmos com neutrinos destros, o suficiente para explicar a existência da matéria escura.

O contato através do espelho

Nós nunca teríamos acesso ao nosso gêmeo, porque ele existe “atrás” do Big Bang, ou seja, antes do início do nosso cosmos. Contudo, ainda podemos testar a teoria.

Os pesquisadores descobriram algumas consequências observacionais oriundas dessa ideia. Uma delas é que os três neutrinos canhotos conhecidos deveriam ser todos partículas Majorana, o que significa que eles são suas próprias antipartículas (em contraste com partículas normais, como elétrons, que tem partículas de antimatéria chamadas pósitrons). Até então, os cientistas ainda não sabem se os neutrinos possuem essa propriedade.

Além disso, eles preveem que um dos tipos de neutrino não teria massa. Se algum dia os físicos conseguirem medir de maneira conclusiva a massa dos neutrinos, e um deles de fato não tiver massa, isso impulsionaria a ideia acerca da existência de um universo com simetria CTP.

Por fim, nesse modelo, a inflação nunca teria ocorrido. Ao invés disso, o universo teria se preenchido de partículas por si só, de maneira natural. Os físicos acreditam que a inflação impactou o espaço-tempo a um nível tão grande que preencheu o cosmos com ondas gravitacionais.

Muitos experimentos estão em busca dessas ondas gravitacionais primordiais. Mas, num universo de simetria CTP, essas ondas não existiriam. Então, se as pesquisas pelas ondas gravitacionais primordiais não derem resultados, isso pode ser uma pista de que o modelo de universo CTP está correto.

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