Naufrágio de 400 anos encontrado na Alemanha é uma “cápsula do tempo”

Dominic Albuquerque
Os mergulhadores fizeram 13 mergulhos, num total de 464 minutos, para fazer o primeiro relatório. Imagem: Mergulhador e pesquisador Christian Howe

Arqueólogos marinhos do norte da Alemanha encontraram um cargueiro de 400 anos que “afundou quase de pé”, intacto do ataque de vermes marinhos e ainda com os barris de cal que carregava séculos atrás.

O navio é do período hanseático, quando um grupo de guildas de comércio do norte da Europa dominavam os mares do norte e do Báltico entre os séculos XIII e XVII. A madeira rapidamente apodrece quando submersa nessa região, e poucas embarcações naufragadas dessa era foram encontrados até hoje.

Os arqueólogos marinhos acreditam que o navio sobreviveu abaixo das ondas porque submergiu rapidamente e logo foi recoberto por uma camada de lama fina que foi arrastada até ele pelo rio Trave, que leva até a cidade de Lübeck por 8 km.

Os restos do navio foram inicialmente encontrados em 2020 durante uma pesquisa rotineira de sonar por autoridades do canal navegável do Trave. A embarcação encontra-se a cerca de 11 metros submersa na porção externa predominantemente salgada do rio, entre Lübeck e o porto de Travemünde, na foz para o mar báltico.

O navio tinha cerca de 20 a 25 metros de comprimento, e pode ter sido um galeota, um cargueiro comum durante o período hanseático, segundo Fritz Jürgens, o arqueólogo que liderou o projeto. Nessa época, as cidades e guildas do norte da Alemanha e de outras partes da Europa formaram um bloco de sucesso, a Hansa, que dominou o comércio no mar do norte e no mar báltico.

A camada de lama do rio sobre o navio pode ter prevenido uma colonização de Teredo navalis em sua cobertura, um molusco de água salgada que consome madeira submersa de maneira veloz.

O navio submerso da Hansa

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Imagem: Mergulhador e pesquisador Christian Howe

Cerca de 150 barris de madeira foram encontrados quase intactos no navio ou próximo a ele, o que indica que a embarcação carregava cal viva quando afundou no final do século XVII. A cal viva é feita pela queima de calcário, sendo um ingrediente crucial para a argamassa usada na alvenaria.

“A fonte disso teria sido a Escandinávia — no meio da Suécia ou no norte da Dinamarca”, disse Jürgens. “Nós sabemos que essa carga vinha de lá, provavelmente em direção à Lübeck, porque o norte da Alemanha não tem grandes fontes de cal viva”.

A pesquisa histórica aponta uma possível data para o naufrágio, em dezembro de 1680. Uma carta dessa data nos arquivos históricos de Lübeck mostram que um oficial de justiça de Travemünde pediu a um destinatário desconhecido que recuperasse a carga de um galeote que tinha encalhado no rio. Isso corresponde ao que se conhece do naufrágio no Trave, Jürgens disse.

É possível que o navio tenha virado antes da sua entrada em Lübeck, quando encalhou numa porção rasa do rio, uma área que ainda existe hoje e que ameaça navios que não sabem de sua localização. É possível que trabalhadores do século XVII recuperaram parte da carga do navio, permitindo que ele boiasse novamente; porém, a embarcação logo afundou devido aos vazamentos causados após encalhar no baixio, disse o arqueólogo.

Espera-se que o navio seja retirado da área nos próximos anos, para que não mude de localização e não se torne uma ameaça à navegação moderna na região, contou Jürgens.

Naufrágio histórico

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O navio pode ter sido um cargueiro, embarcação comum no mar báltico durante o período do naufrágio. Imagem: Dr. Fritz Jürgens, Universidade de Kiel.

Lübeck era famosa pela construção de navios durante o período hanseático, então é possível que a embarcação tenha sido construída na cidade. Contudo, esses navios eram comuns pela região na época do naufrágio, então é possível que ele tenha sido construído em outra parte da Europa, segundo Manfred Schneider, chefe do departamento de arqueologia de Lübeck e líder do projeto de resgate do navio.

O navio se destaca por seu estado notável de preservação, não apenas pela falta de infestações de vermes e outros organismos marinhos, mas também pela carga pesada.

“Ainda há cerca de 70 barris no local original do navio, e outros 80 barris na vizinhança imediata”, relata Schneider. Ele ainda acrescentou que os arqueólogos poderiam encontrar outros objetos no sedimento que preenche o interior do navio.

Retirar o navio do leito do rio vai dar aos arqueólogos a oportunidade de investigar sua construção e talvez identificar sua origem. Ainda que Lübeck tenha sido um centro para o comércio báltico durante o período hanseático, poucos objetos marinhos da época sobreviveram, disse Schneider, então a descoberta de um navio quase inteiro é realmente impressionante.

“Temos algo que é como uma cápsula do tempo […] que destaca as rotas comerciais e as opções de transporte no final do período hanseático”.

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