Histórico de atleta não interfere no prognóstico de casos graves de COVID-19

Agência FAPESP
(Daniel Reche/Pixabay)

Estudos recentes sugerem que a prática regular de exercícios físicos pode estar associada à redução de hospitalização por COVID-19. No entanto, para indivíduos que desenvolvem a forma grave da doença, a proteção conferida pelo exercício físico deixa de funcionar, não resultando em diferenças no tempo de internação, na necessidade de ventilação mecânica ou de tratamento intensivo.

Foi o que mostrou uma pesquisa com 209 pacientes com COVID-19 grave internados no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e no Hospital de Campanha do Ibirapuera, na capital paulista. Os resultados indicam que o fato de os pacientes terem o hábito de se exercitar regularmente antes da internação não foi determinante para o melhor enfrentamento da doença.

“Esse estudo serve como um sinal amarelo para a população que se exercita com regularidade e, por isso, acredita estar totalmente protegida. Não encontramos diferença de prognóstico e desfecho da doença entre os pacientes graves mais ou menos ativos. Isso mostra que os benefícios da atividade física existem, mas aparentemente vão só até um ponto da gravidade da doença”, afirma Bruno Gualano, professor da FM-USP e autor do estudo.

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Os dados completos da pesquisa, que contou com apoio da FAPESP, foram divulgados em artigo publicado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares. A investigação foi conduzida em parceria com o Laboratório de Metabolismo Ósseo, coordenado por Rosa Maria Rodrigues Pereira , também da FM-USP.

A COVID-19 é uma doença viral infecciosa que pode progredir para casos inflamatórios mais graves. Como ainda não existe um medicamento específico para combater o vírus SARS-CoV-2, o tratamento hospitalar consiste em lidar com os vários sintomas da infecção e dar suporte respiratório aos pacientes, se necessário.

Como explica Gualano, a prática de atividade física é reconhecida por seu efeito protetor contra doenças crônicas. Ela também fortalece o sistema imune, prevenindo, parcialmente, algumas doenças infecciosas respiratórias. “O exercício físico tem um efeito sistêmico. Melhora a resposta imune e as condições metabólica e cardiovasculares do indivíduo. Esses fatores podem trazer proteção contra diversos tipos de doenças crônicas e algumas infecciosas também. Mas, quando o quadro se agrava, outros preditores podem ser mais decisivos para o desfecho clínico”, explica o pesquisador à Agência FAPESP.

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Os resultados da pesquisa indicam que para os casos graves de COVID-19 a presença de fatores de risco como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e idade avançada foi mais determinante no prognóstico do que a prática pregressa de exercícios.

Os mais de 200 voluntários tiveram seu histórico de atividade física no trabalho, no esporte e no lazer avaliado assim que foram hospitalizados. A informação foi obtida por meio de um questionário validado. Também tiveram o diagnóstico de COVID-19 confirmado por exame de RT-PCR, que identifica o material genético do SARS-CoV-2 em secreções do nariz ou da garganta.

Foram incluídos pacientes que apresentavam dificuldade para respirar (mais de 24 respirações por minuto) e índice de saturação de oxigênio no organismo menor do que 93%. Além disso, tinham fatores de risco para COVID-19, como idade avançada, doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, neoplasias, imunossupressão, tuberculose pulmonar e obesidade.

Os dados referentes à atividade física não foram associados com nenhum dos desfechos clínicos observados, como hospitalização, necessidade de ventilação mecânica ou internamento em UTI e mortalidade.

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Estudos complementares

Gualano explica que o resultado obtido na pesquisa com pacientes hospitalizados é complementar a estudos anteriores – realizados com infectados de perfil variado (incluindo casos leves e moderados).

Divulgada recentemente, uma pesquisa on-line com 938 brasileiros que contraíram COVID-19 apontou que a prevalência de hospitalização pela doença foi 34,3% menor entre os voluntários considerados ativos – que realizavam pelo menos 150 minutos por semana de atividade física aeróbica de intensidade moderada ou 75 minutos de alta intensidade.

“O nosso trabalho complementa os resultados obtidos com os casos mais leves da doença. Os estudos existentes avaliaram, principalmente, pessoas em estágios anteriores ao do nosso trabalho [em termos de progressão da doença], em que apenas a minoria dos pacientes necessitou de hospitalização”, diz.

De acordo com o pesquisador, além de complementares, os dois estudos contribuem para o maior entendimento da doença e do efeito protetor da atividade física. “É tudo muito novo e ainda são poucos os estudos que relacionam COVID-19, atividade física e sistema imune. No entanto, ao analisar o que temos publicado sobre o assunto, notamos que a atividade física poderia eventualmente ser considerada um bom preditor até certo estágio de gravidade da doença, prevenindo complicações. Mas isso não se revela verdadeiro nos casos mais críticos. É um recado importante para não se fiar tanto no histórico de atividade física como um fator absoluto de proteção contra a COVID-19”, ressalta Gualano.

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O risco dos atletas profissionais

O grupo de pesquisadores da FM-USP iniciou outro estudo que pretende investigar a resposta imune e o prognóstico de COVID-19 em atletas profissionais. A coalizão Esporte-Covid-19, formada por pesquisadores do Hospital das Clínicas, Hospital Israelita Albert Einstein, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e Núcleo de Alto Rendimento Esportivo, tem o apoio da Federação Paulista de Futebol e vai acompanhar as possíveis consequências da doença em jogadores de futebol.

“Queremos entender as eventuais sequelas da COVID-19 em atletas profissionais. Estudo realizado com 26 atletas universitários nos Estados Unidos mostrou que eles podem apresentar dano cardíaco ou indícios de inflamação no coração. Esses são dados novos e ainda não sabemos seu real significado para um competidor de alto rendimento”, diz.

No Brasil, campeonatos de futebol foram disputados em meio à pandemia. Muitos jogadores se infectaram, ficaram de 10 a 15 dias em quarentena, voltando a jogar logo depois do período de isolamento. A maioria dos infectados permaneceu assintomática ou apresentou casos leves da doença.

“Pela condição fisiológica desses atletas de alto rendimento, é certo que eles agravam menos. No entanto, queremos entender se todos eles passam ilesos, sem sequelas, pela COVID-19”, diz.

No estudo, os pesquisadores vão acompanhar 75 jogadores entre os que apresentaram sintomas, os assintomáticos e os que não foram infectados. “Eles vão passar por uma rigorosa bateria de exames cardiovasculares, que incluem ecocardiograma, teste de esforço, avaliação da função endotelial e ressonância magnética cardíaca, para investigarmos a possibilidade de danos persistentes . É uma doença nova e não sabemos ainda se há sequelas e quais as repercussões em médio e longo prazo, como, por exemplo, risco elevado de mal súbito. Essa investigação pode ajudar a construir um protocolo de retorno à prática esportiva ‘pós-COVID’ pautado em evidências científicas”, diz.

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Outro aspecto importante do projeto está na possibilidade de ele também levantar indícios importantes sobre o funcionamento da doença para a população em geral. “São atletas jovens, saudáveis, com alimentação regrada e excelente condicionamento físico. Em qualquer tipo de pesquisa comparativa, essa população seria uma espécie de grupo controle ideal. Portanto, entender como esses indivíduos respondem à COVID-19 pode também nos dar pistas fisiológicas importantes que podem servir na prevenção de casos mais graves. A pesquisa tem o potencial de responder até que ponto o estilo de vida interfere nos sintomas e nas sequelas da doença”, diz.

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