Dentes antigos revelam uma única migração de nativos-americanos da Ásia

Elisson Amboni
Ilustração. Imagem: British Museum

Pesquisadores no campo da antropologia dental revelaram nuances até então obscuras sobre a migração dos nativos-americanos que cruzaram da Ásia para as Américas há mais de 16 mil anos. Publicado no periódico American Journal of Biological Anthropology, o trabalho traz novos entendimentos sobre a herança genética e odontológica partilhada entre diversos grupos nativos, raiz dessa massiva movimentação populacional.

O deslocamento maciço, originado no leste asiático, fundamenta-se na unidade genética entre os diversos grupos nativos-americanos, espelhando suas origens comuns nesse movimento unificado. Tal abordagem metodológica, ao cruzar décadas de investigações arqueológicas, aponta para uma conexão direta e profunda entre culturas que, apesar de sua diversidade, compartilham um elo ancestral singular. Este último achado se alinha com a hipótese de uma migração única para a constituição das primeiras comunidades nas Américas, promovendo uma compreensão mais consistente do mosaico humano que compõe a história do Novo Mundo.

Interpretações revolucionárias emergem quando antropólogos dentais examinam as variações nas formas dos dentes humanos. Essas análises têm revelado aspectos cruciais dos padrões migratórios dos povos antigos, muitas vezes traçados a partir de restos esqueletais. O estudo recente desvendou que as origens dos nativos-americanos estão ligadas à Sibéria, lançando nova luz sobre as etapas da migração humana pela Terra.

O aprimoramento das técnicas de análise permite aos cientistas comparar dentes de era atual com os ancestrais, traçando assim conexões genealógicas ao longo de milênios. O banco de dados rASUDAS, ferramenta digital de acesso restrito, figura como aliado essencial neste processo, oferecendo aos antropólogos a capacidade de determinar a ascendência de indivíduos com base nas características das coroas e raízes dentárias.

Assim, não apenas os laços entre os dentes antigos e modernos são desvendados, mas também as linhagens de pessoas cuja existência se estendeu muito além de sua presença física — suas marcas dento-cranianas se tornam as pistas infalíveis para mapear o passado.

Em um caso exemplar, uma análise utilizou a aplicação para decifrar a ancestralidade de povos pré-históricos, cujos dentes foram encontrados em sítios arqueológicos por diversas regiões do mundo. Tal abordagem evidenciou que a chegada dos humanos ao sul da América pode ser atestada há aproximadamente 25 mil anos, reformulando cronogramas históricos previamente estabelecidos.

O estudo do sistema rASUDAS aplicado a dentes antigos proporcionou visões reveladoras sobre as rotas migratórias dos povos nativos-americanos. Esses remanescentes esqueléticos, totalizando 1.418 indivíduos, foram coletados de bioregiões diversas, incluindo o Ártico Americano, América do Norte e América do Sul, até áreas distantes como a Ásia Oriental, Sudeste Asiático e Polinésia, Australo-Melanésia, Eurásia Ocidental e África Subsaariana.

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Uma ponte terrestre extinta no mar da Bering ligava a Ásia e a América do Norte aproximadamente 11.000 anos atrás.

Investigando esses dentes milenares, descobriu-se uma afinidade contundente: independentemente de sua localização geográfica, os nativo-americanos apresentaram marcantes semelhanças dentárias com os asiáticos orientais, sendo categorizados pelo sistema rASUDAS2 como leste-asiáticos entre 10 e 15% das vezes. Esse dado fornece indícios de que todos os nativos-americanos partilham uma ascendência comum, remontando a um grupo que se desmembrou dos seus ancestrais asiáticos num mesmo evento migratório em massa.

A teoria mais aceita situa a origem desse evento no êxodo dos predecessores dos nativos-americanos para a ponte terrestre de Bering, que ligava a Sibéria ao Alasca durante a última Idade do Gelo. As pesquisas sugerem que eles habitaram esse intermediário terrestre durante 5.000 a 10.000 anos, antes de se deslocarem para o sul, proliferando pelos territórios das Américas do Norte e Sul.

Curiosamente, ainda que mais tênue, uma semelhança dental também foi observada entre os povos do Ártico e muitos dos antigos nativos-americanos. Tais características iam declinando à medida que se avançava para o sul do continente americano, o que aponta para migrações árticas que aconteceram subsequente à fixação dos nativos-americanos em suas novas terras.

A descoberta da pesquisa é que os nativos-americanos se estabeleceram a partir de um único e grande evento migratório que ocorreu milhares de anos antes do término da última Era Glacial e do submergimento de Bering — desaparecida entre 11.000 e 13.000 anos atrás. Esses achados não só reforçam suposições prévias sobre a origem comum dos nativos-americanos como também refinam nosso entendimento das intrincadas trilhas percorridas por nossos ancestrais ao longo do globo.

Richard Scott, um notável antropólogo dental da Universidade de Nevada, em conjunto com Leslea Hlusko, do Centro Nacional de Investigación sobre la Evolución Humana na Espanha (CENIEH), lideram explorações na área de antropologia dental. Eles têm contribuído para o projeto europeu Tied2Teeth, que busca usar a variação dentária como uma lente sob a qual a evolução humana e a migração podem ser mais claramente vistas e compreendidas.

Os dentes, por seu porte e firmeza, oferecem uma cápsula do tempo para o estudo antropológico dental, capaz de proporcionar evidências valiosas sobre as migrações e conexões ancestrais — tanto entre populações antigas quanto modernas. A pesquisa de Hlusko destaca essas relações, especialmente ao iluminar as migrações para as Américas.

Hlusko diz, em um comunicado de imprensa, que a potência desse foco analítico com a revelação das origens das populações nativas-americanas sinaliza apenas a ponta do iceberg das possibilidades oferecidas por um amplo banco de dados de variação dentária. Essa compilação, ainda em construção, promete desvendar as relações ancestrais que permeiam toda a história humana.

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