Como lagartos desprendem suas caudas?

Dominic Albuquerque

Diversos animais sacrificam membros de seus corpos quando estão correndo risco de vida. É um sacrifício necessário para a sobrevivência no mundo natural, conhecido como autotomia. Quando estão sob ameaça os lagartos desprendem suas caudas, facilitando a evasão do perigo iminente.

Esse comportamento confunde o predador, dando tempo ao lagarto para fugir. Mas o momento certo deve ser escolhido com cuidado, pois a cauda é importante para as tarefas gerais do animal, como guardar gordura, correr, pular e reproduzir. Alguns lagartos são capazes até de regenerar caudas perdidas.

Estudos foram feitos acerca desse comportamento, mas ainda restava a dúvida: como os lagartos desprendem suas caudas tão facilmente? A resposta está relacionada com estruturas responsáveis por mantê-las no lugar em situações comuns, e esse fenômeno foi descrito por um engenheiro biomecânico como o “paradoxo da cauda”.

Yong-Ak Song e seus colegas, na Universidade de Nova York em Abu Dhabi, resolveram pesquisar e solucionar o tal paradoxo. Para isso, estudaram diversas caudas recentemente amputadas de três espécies: dois tipos de lagartixa e um lagarto do deserto conhecido como lagarto de dedos de franja de Schmidt (Acanthodactylus schmidti).

O funcionamento das caudas de lagartos

Para um uso eficiente, as caudas devem ser ao mesmo tempo aderentes ao corpo e separáveis dele – daí o “paradoxo”.

“Ele tem que soltar a cauda rapidamente para sobreviver, mas, ao mesmo tempo, não pode perdê-la com tanta facilidade”, disse o Dr. Song.

A cauda do lagarto consiste numa série de segmentos que se conectam como tomadas. A cauda consegue se partir em qualquer um desses pontos, chamados de planos de fratura. Entre cada segmento, os pinos – oito feixes de músculo em formato de cone dispostos num círculo – se inserem nos encaixes correspondentes, que consistem de paredes relativamente lisas.

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Os pontos de conexão, ou planos de fratura, entre cada segmento da cauda do lagarto são pontos fracos e suscetíveis a quebras acidentais. Os lagartos capazes de desprender suas caudas desenvolveram uma estrutura complexa que ajuda a manter a cauda durante colisões pequenas e esbarrões.

Cada pino, por sua vez, está coberto por uma floresta de saliências, ou micropilares, que se assemelham a minúsculos cogumelos. Ao analisar essas protuberâncias, Song e seus colegas descobriram que cada uma está marcada por buracos, ou nanoporos.

Os pesquisadores também notaram pequenas marcas no interior das paredes dos encaixes deixados para trás pelos micropilares dos pinos, como se fossem dedos pressionados suavemente em argila. Isso demonstrou que os micropilares não proviam nenhuma aderência extra que pudesse manter a cauda presa ao dono.

Buscando a verdadeira função dos micropilares, os pesquisadores construíram uma réplica da cauda de lagarto feita com polidimetilsiloxano, um material emborrachado que imita a separação da cauda do corpo. O objetivo era examinar o funcionamento das estruturas durante o processo de amputação.

Sua descoberta foi que as fendas profundas entre os micropilares, em conjunto com os buracos menores nas superfícies, retardam a propagação de uma fratura inicial.

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Cada segmento da cauda de lagarto contém oito feixes de músculos (figura à esquerda) em formato de cone que funcionam como o plug de uma tomada. O zoom nesses pinos revela protuberâncias minúsculas em forma de cogumelos, os micropilares, cobertos de nanoporos (figura à direita).

“Se tem uma fratura vindo e ela encontra um poro, que é um vazio, então a fratura é interrompida, e assim perde a energia para se propagar”, disse Song. Os micropilares com nanoporos podem interromper a fratura bem no seu início, e cada um deles ajuda no processo. Segundo a pesquisa, eles também melhoram a adesão em quinze vezes quando comparado a pinos sem micropilares.

A estrutura hierárquica entre pino, pilar e poro alcança um equilíbrio que exemplifica o princípio de Goldilocks: nem tão apertado, nem tão solto. Apenas o suficiente para executar as duas funções.

De acordo com Bill Bateman, um ecologista comportamental na Universidade de Curtin, Austrália, que não fez parte da pesquisa, esse sistema intricado é um perfeito exemplo de como a evolução pode continuamente trabalhar para tornar algo mais efetivo.

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