Cleópatra era negra? Desvendando a verdade histórica

Elisson Amboni
Cleópatra VII. Pintura recuperada da cidade de Herculano, na Itália. Imagem: Alamy

A dúvida se Cleópatra, a icônica rainha do Egito antigo, era negra não é recente. Como uma monarca de uma terra africana, é compreensível que algumas pessoas acreditem que ela poderia ser negra. Cleópatra era, sem dúvida, uma figura complexa e intrigante da história, conhecida por sua inteligência, habilidades políticas e relacionamentos antigos líderes romanos, como Julio César e Marco Antônio.

O debate sobre sua etnia reflete o interesse contínuo em sua vida e legado, além de levantar questões sobre como a história é interpretada e retratada.

Para responder à pergunta sobre a cor de sua pele, é necessário analisar as evidências disponíveis, inclusive suas origens familiares e representações artísticas da época. No entanto, é importante lembrar que tais conclusões podem ser limitadas pela falta de registros históricos completos e pelas diferentes perspectivas culturais sobre a identidade étnica.

Contexto histórico

Cleópatra tinha ascendência da dinastia ptolomaica, estabelecida no Egito após a conquista de Alexandre, o Grande. A dinastia ptolomaica era de origem grega e manteve governantes gregos no controle do Egito por quase 300 anos.

Entretanto, há também quem argumente que Cleópatra tinha origem africana, devido a sua posição como rainha de um reino africano. Uma pesquisa de 2009 sugeriu que a rainha tinha ancestrais africanos em sua linhagem. Outros defendem que a discussão sobre a herança étnica dos egípcios em geral, e de Cleópatra em particular, é irrelevante para a questão de sua “negritude”.

A verdade é que, na época de Cleópatra, a sociedade egípcia era uma mistura de diferentes culturas e etnias, com gregos, romanos, persas, egípcios nativos, núbios e outros povos africanos. Dessa forma, é mais apropriado considerar Cleópatra como uma figura histórica multifacetada, antes de simplificar sua identidade étnica. A relação de Cleópatra com líderes romanos, como Júlio César e Marco Antônio, também ressalta a complexa trama geopolítica em que sua vida estava inserida.

Assim, é importante analisar o contexto histórico de Cleópatra sem reduzi-lo a uma questão de cor ou origem étnica. Afinal, a rainha do Egito era uma figura política astuta, negociadora habilidosa e líder carismática, reconhecida por sua beleza e inteligência. Essas características, independentemente de sua origem étnica, ajudam a compreender o impacto duradouro de Cleópatra na história mundial.

Origens

Cleópatra VII nasceu por volta de 69 AEC, no Egito, e foi o último membro da família real ptolemaica. A dinastia ptolemaica, de origem grega, foi estabelecida pelos sucessores de Alexandre, o Grande, após a sua morte em 323 AEC. Intensificando as relações políticas e diplomáticas na época, a família ptolemaica preferiu casar-se entre si em vez de se unir a outras linhagens egípcias.

A etnia de Cleópatra tem sido objeto de debate ao longo dos séculos. Embora seja possível que Cleópatra tivesse uma ascendência miscigenada, a maioria da sua linhagem era provavelmente grega, dada a origem da dinastia ptolemaica.

A controvérsia sobre se Cleópatra era negra ou não tem origens no século 20, com o movimento afrocentrista que buscava enfatizar a contribuição das culturas africanas na história mundial. Neste contexto, alguns argumentaram que Cleópatra poderia ser de descendência egípcia e assim possivelmente negra. No entanto, como a maior parte das informações disponíveis sobre Cleópatra e sua família aponta para uma origem predominantemente grega, essa teoria não é amplamente aceita.

Embora as representações precisas do rosto de Cleópatra sejam raras, pode-se afirmar com alguma certeza que sua etnia era majoritariamente grega, com possibilidade de alguma ascendência egípcia.

Representações artísticas

A figura de Cleópatra gerou uma variedade de representações artísticas ao longo dos séculos. Vamos explorar algumas delas, especialmente nas artes egípcias e greco-romanas.

Arte egípcia

Na arte egípcia, Cleópatra é comumente retratada como uma mulher poderosa, assumindo atributos faraônicos e vestindo trajes típicos de rainhas egípcias. Destacam-se as esculturas e relevos que exibem suas características exóticas e símbolos de poder, como o ureus, a serpente na coroa, que remete à deusa Wadjet.

Cleópatra era negra?
Representações egípcias de Cleópatra.

Embora algumas imagens possam apresentar Cleópatra com uma tonalidade mais escura de pele, é importante ressaltar que a arte egípcia usava um código de cores para simbolizar diferentes aspectos e ideais. Um exemplo disso é a pele escura usada para retratar os faraós núbios no período da 25ª dinastia. Contudo, a narrativa de que Cleópatra era negra é contestada por diversos historiadores e estudiosos.

Arte greco-romana

Na arte greco-romana, encontramos retratos de Cleópatra em moedas, esculturas e pinturas. Estas representações geralmente mostram uma rainha distinta com características helenísticas, uma vez que ela pertencia à dinastia ptolomaica, uma linhagem de origem grega.

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Estátua romana de Cleópatra.

Além disso, é preciso considerar que tanto a arte grega quanto a romana se envolviam em idealizações estéticas e refletiam os padrões culturais da época.

Conclusão

A dinastia a qual Cleópatra pertencia era de origem grega e, portanto, é provável que ela tivesse uma aparência mais próxima aos gregos antigos do que aos antigos egípcios nativos. No entanto, é difícil determinar a aparência exata de Cleópatra devido à falta de evidências concretas e à possibilidade de miscigenação com a população local.

A imagem de Cleópatra como uma mulher negra é profundamente enraizada na cultura popular e tem sido perpetuada por artistas e cineastas ao longo dos anos. Recentemente, a escolha de uma atriz afrodescendente para interpretar Cleópatra em uma nova série-documental da Netflix gerou polêmica e levantou questões sobre a representatividade e a precisão histórica.

Embora a representação de Cleópatra como uma mulher negra possa ser vista como uma tentativa de aumentar a diversidade, é importante lembrar que a história não deve ser distorcida em nome da representatividade. É possível criar personagens e histórias que sejam inclusivas e diversas sem alterar a verdade histórica. Ao mesmo tempo, é importante reconhecer a importância da representatividade e garantir que todas as vozes sejam ouvidas e representadas.

Em suma, a representação de Cleópatra como uma mulher negra pode não ser historicamente precisa, mas a controvérsia gerada por essa escolha de elenco destaca a necessidade de equilibrar a precisão histórica com a diversidade e a representatividade.

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