Cientistas criam estado da matéria com duas dimensões de tempo

Felipe Miranda
Imagem: Quantinuum

Pode parecer estranho, mas duas dimensões de tempo são úteis para a computação quântica. Computadores quânticos trazem inúmeras possibilidades para o mundo da ciência e tecnologia, tanto no âmbito de melhora no processamento de dados, tanto em relação à segurança cibernética e outras diversas aplicações. Com computadores quânticos, os cientistas criam novas possibilidades que não ocorrem no mundo real, como “teletransporte” e burlam o tempo e a entropia. O mundo quântico é bizarro.

Em um artigo publicado na revista Nature, os cientistas relatam a criação desse estranho novo estado da matéria através de um laser inspirado nos números de Fibonacci. Se você não sabe o que é os números de Fibonacci, assista a Donald no país da matemágica. É um documentário infantil, mas é muito interessante até mesmo para adultos, pois ilustra bem diversos princípios básicos e padrões matemáticos.

Um novo estado da matéria com duas dimensões de tempo?

Isso não quer dizer que o material está participando de duas linhas de tempo nem nada assim. Na verdade, apenas uma das duas dimensões temporais possui um fluxo – ou seja, corre como o tempo normal.

Em 2017, os cientistas propuseram a criação de um quasicristal (estruturas periódicas, como os cristais, mas sem laços de repetição infinitos) na dimensão temporal, e não espacial.

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Padrões de um quasicristal. Imagem: Wikimedia Commons

Agora, com os pulsos do laser seguindo o padrão de Fibonacci, onde não há repetições, você cria um quasicristal em uma única dimensão. Com isso, eles geraram duas simetrias de tempo, ou duas dimensões de tempo

Qual a utilidade de duas dimensões do tempo?

Na computação convencional, há os bits. Tudo na computação é gerado pelos bits – o princípio básico de tudo que utiliza de alguma maneira a informática. Os bits podem entregar uma saída de 0 e 1 por meio dos transistores. Esses números geram os cálculos que nos entregam a interface, as imagens, os sons, e tudo que há no computador.

Na computação quântica, por sua vez, há os qubits, ou bits quânticos. Os qubits podem ser 0, podem ser 1 e podem ser os dois ao mesmo tempo, além de outros números ainda. Além disso, eles podem se teletransportar (já expliquei aqui), entregando inúmeras possibilidades e muito mais velocidade na resolução de problemas complexos.

O problemas do qubits é que eles são muito instáveis. Quanto você observa uma partícula atômica em superposição você pode tirá-la desse estado. Não necessariamente a observação, é claro, mas a interação dela com o mundo real. Portanto, pesquisadores de todo o mundo buscam maneiras de tornar a computação quântica mais estável.

Quantinuum, o computador utilizado no experimento com as duas dimensões de tempo. (Crédito: Quantinuum)
Quantinuum, o computador utilizado no experimento com as duas dimensões de tempo. Imagem: Quantinuum

Os cientistas utilizaram dez íons de itérbio para a realização do experimento.

Com os pulsos normais de laser, periódicos, os cientistas conseguiram manter as partículas como em seus estados quânticos por 1,5 segundos. Mas com os lasers pulsando pela sequência de Fibonacci, criando as duas dimensões de tempo, os cientistas conseguiram mantê-los estáveis por 5,5 segundos, a duração completa do experimento;

“Com essa sequência quase periódica, há uma evolução complicada que anula todos os erros que vivem no limiar”, disse em um comunicado o pesquisador Philipp T. Dumitrescu, autor principal do estudo. “Por causa disso, a linha permanece quanticamente coerente por muito, muito mais tempo do que você esperaria”.

Como foi dito, a estabilidade dos qubits é um grande problema, já que cada mínima interação pode ocasionar o fim da estabilidade. O impressionante do experimento foi que os íons de itérbio estavam interagindo fortemente entre si, e mesmo assim duraram muito tempo no estado quântico. As duas dimensões de tempo realmente forneceram mais estabilidade

“Temos essa aplicação direta e irresistível, mas precisamos encontrar uma maneira de vinculá-la aos cálculos. Esse é um problema em aberto no qual estamos trabalhando”, disse Dumitrescu. “Tenho trabalhado nessas ideias teóricas por mais de cinco anos, e vê-las se concretizando em experimentos é emocionante”.

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