Preconceito, estereótipo e discriminação: diferenças e semelhanças

Lisiane Pohlmann

O que é preconceito, afinal? O termo “preconceito” diz respeito à estrutura geral da atitude (porque ele mesmo é uma atitude) e de seu componente emocional – e embora utilizemos a palavra pejorativamente, há preconceitos positivos e preconceitos negativos. Quer ver? Podemos ter um preconceito contra os gaúchos ou a favor dos gaúchos, contra os nordestinos ou a favor dos nordestinos, contra os palmeirenses ou a favor dos palmeirenses. Dependendo da reação emocional que o estereótipo (gaúcho/nordestino/palmeirense) gera em você, sua resposta poderá ser negativa ou positiva, fazendo com que espere que o sujeito estereotipado se comporte de maneiras peculiares, boas ou ruins.

Embora o preconceito envolva emoções que podem ser negativas ou positivas, tendemos a reservar a palavra para nos referirmos a atitudes negativas a respeito de outras pessoas. De modo geral, o preconceito é representado como uma atitude hostil contra pessoas de determinado grupo, baseando-se unicamente na condição destes como membros do grupo. Um exemplo simples: quando afirmamos que alguém tem preconceito contra os negros, queremos dizer que ele está disposto a comportar-se de maneira hostil em relação a eles. O preconceito é um comportamento emocional/afetivo, parcialmente automático e bastante sensível à estrutura social.

estereótipo, diferentemente, é um componente cognitivo – ou seja, não é necessariamente emocional, positivo ou negativo e fixa-se mais na generalização sobre o grupo todo (e não sobre uma característica específica, como é o caso do preconceito). Enquanto o preconceito é uma atitude positiva ou negativa sobre um grupo com base em suas características, o estereótipo é o ato de atribuir características idênticas a todos os membros de um grupo.

A estereotipagem não é necessariamente emocional ou leva a atos  intencionais de hostilidade. Ao contrário, a estereotipagem é com frequência apenas uma maneira que temos de simplificar a ideia que formamos do mundo – e todos nós fazemos isso. Vamos testar:  concentre-se por alguns segundos e imagine a aparência das seguintes pessoas: 1) líder de torcida, 2) motorista de táxi, 3) músico negro. Pronto? Acredito que não tenha sido uma tarefa difícil, porque todos nós fazemos imagens mentais de “tipos de pessoas”.  Provavelmente você imaginou a líder de torcida como uma moça animada, não-intelectual e bem feminina, o motorista provavelmente era homem e o músico negro dificilmente tocava música clássica. Correto?

O jornalista Walter Lippmann (1922) foi o primeiro a utilizar a palavra “estereótipo” e descreveu a diferença entre eles e o mundo externo. Em cada cultura, agrupamos indivíduos conforme as características mais fortes de seus membros. É óbvio que há líderes de torcida masculinos, motoristas de táxi mulheres e negros que tocam música clássica, mas tendemos a categorizar de acordo com o consideramos a norma estatística. No interior de uma cultura, o que cada um considera norma é sempre muito semelhante ao que consideram os demais, porque essas imagens são divulgadas amplamente pela história oral, artística e mesmo pela mídia desta cultura.

Uma vez formados, os estereótipos são resistentes às mudanças, mesmo que elas sejam baseadas em novas (e confiáveis) informações. Gordon Allport (1954), por exemplo, chama a estereotipagem de “lei do menor esforço”. Conforme ele, o mundo é complexo demais para que criemos atitudes diferenciadas a respeito de cada coisa. Ao invés disso, confiamos em crenças e esquemas simples e generalizantes, considerando nossa capacidade limitada de processar muitas informações ao mesmo tempo. Assim, é normal que tomemos atalhos e adotemos algumas regras na tentativa de compreender outras pessoas (Fiske, 1989; Fiske & Depret, 1996; Jones, 1990; Taylor, 1981; Taylor & Falcone, 1982). Conforme o estereótipo resultante se baseia em experiência e é exato, ele pode ser uma maneira adaptativa de lidar com eventos complexos. De outra forma, quando ele nos deixa desconsiderar as diferenças individuais, nos faz cometer generalizações injustas, virando discriminação (que veremos a seguir).

O outro elemento do preconceito é a ação, que comumente chamamos de discriminação. A discriminação é o ato de utilizarmos o estereótipo para recorrer a uma ação negativa injustificada ou prejudicial contra membros de um grupo.

É bastante comum pensarmos que a discriminação é destinada apenas aos grupos minoritários. Acontece que, mesmo que esse aspecto do preconceito deva ser reconhecido, a discriminação perpassa todos os indivíduos e pode, sim, fluir do grupo minoritário para o majoritário.

Todos somos, fomos ou seremos vítimas potenciais de estereotipagem e discriminação, graças à nossa simples condição de membro de um grupo qualquer (religioso, de gênero, sexual, etc.).

Portanto:

Preconceito: atitude negativa dirigida a um grupo, com base em uma característica desse grupo. É dirigido ao grupo como um todo, ignorando diferenças individuais.

Estereótipo: generalização sobre um grupo, onde características idênticas são dadas a todos os membros de um grupo. Não é necessariamente emocional, positivo ou negativo, e não necessariamente produz discriminação.

Discriminação: uma ação negativa dirigida a um membro de um grupo, simplesmente por sua identificação como membro do grupo.

Natural ou antinatural?

Esta é certamente uma discussão espinhosa, pois até hoje não existe consenso sobre o preconceito ser  natural ou antinatural.  Aronson, Akert e Wilson (2011) lembram que psicólogos evolutivos tem sugerido que os animais tem uma forte tendência a “se sentirem mais favoráveis em relação a outros geneticamente semelhantes e a expressarem medo e aversão contra organismos geneticamente diferentes, mesmo que estes últimos nunca lhes tenham feito nenhum mal” (estudos podem ser encontrados em Buss & Kenrick, 1998; Rushton, 1989; Trives, 1985). Pensando nisso, o preconceito, poderia ser inato – uma parte essencial do nosso mecanismo biológico de sobrevivência. De outro modo, talvez nossa inclinação natural seja sermos cordiais, abertos e cooperativos. Assim a cultura (os pais, a comunidade, a escola, a mídia) poderia intencionalmente ou não ensinar-nos a atribuir qualidades e atributos negativos a pessoas diferentes de nós (Aronson; Akert; Wilson, 2011).

Neste sentido, a maioria dos psicólogos sociais concorda que os aspectos específicos do preconceito podem ser aprendidos, mas as crianças de pouca idade, embora possam captar os preconceitos dos pais, não necessariamente os retêm até a idade adulta. Em pesquisa, Mega Rohan e Mark Zanna (1996) analisaram a semelhança de atitudes e valores entre os progenitores e seus filhos na idade adulta. O que eles descobriram? Que a transmissão transgeracional funciona mais quando os pais adotavam atitudes e valores igualitários do que quando manifestavam atitudes preconceituosas.

O que causa o preconceito?

A primeira explicação das causas do preconceito dada por Aronson, Akert e Wilson (2011) é a de tratar-se de um subproduto inevitável da maneira como processamos e organizamos as informações. A tendência humana a agrupar informações e categorizá-las, formando esquemas para interpretar informações incomuns ou novas através de atalhos no funcionamento mental, podem certamento levar-nos a formar estereótipos negativos e, através deles, ter ações discriminatórias.

O primeiro passo em qualquer preconceito é a criação de grupos, criando-os com base em certas características. Sobre essa categorização e o ato agrupar os estímulos de acordo com suas semelhanças, constrastando os estímulos segundo suas disparidades, existem diversos estudos na área da psicologia social (Brewer & Brown, 1998; Rosch & Lloyd,  1978; taylo, 1981; Wilder, 1986). O exemplo mais clássico disso é que agrupamos animais e plantas em taxonomias – e o mundo social em sexo, nacionalidade, etnia, escolaridade, classe.  Nos baseamos no que foram os estímulos semelhantes no passado, a fim de reagir aos novos estímulos (Andersen & Klaatzsky, 1987). A categorização é, ao mesmo tempo, útil e necessária.

Mas o que cria esse preconceito intragrupo (destinado a quem pertence ao mesmo grupo que nós)? Para responder a essa questão, o psicólogo britânico Henri Tajfel (1982) descobriu que o grande motivo pode ser a autoestima:  identifica-se com grupos específicos faz com que os indivíduos aumentem sua auto-estima, desde que considerem seu grupo de pertencimento superior aos demais grupos. Para entender o fenômeno, Tajfel e alguns de seus colegas criaram pequenos grupos, que contavam com indivíduos que sequer se conheciam e muito pouco tinham em comum: para separá-los, os participantes eram distribuídos em um ou outro grupo conforme o lançamento de uma moeda. O resultado é que, embora não se conhecessem antes do experimento, o grupo se comportava compartilhando o mesmo estilo, classificando-se como tendo personalidades semelhantes e buscando itens em comum, muitas vezes denegrindo os participantes do outro grupo.

O que se observou com esses resultados: que ainda que as razões sejam mínimas para uma diferenciação gritante, ser parte de um grupo leva os participantes a quererem “ser superiores” aos outros grupos (item também salientado por Robert Cialdini e colegas, 1976). Trata-se de uma polarização entre “nós” e “eles”. E é extremamente difícil fazer um preconceituoso mudar de opinião. Por quê? Podemos elencar alguns motivos a seguir:

  1. O preconceito é componente afetivo e não racional
  2. Argumentos lógicos não conseguem neutralizar emoções
  3. Acabamos ficando emocionalmente condicionados a reagir de modo preconceituoso
  4. Pode haver correlação ilusória (tendência de se ver relações onde elas não existem)
  5. Ameaça de estereótipo (impacto da curva do Sino: Murray, 1995), apreensão causada pelo pertencimento a um grupo de minoria (“Será que minha resposta vai confirmar o estereótipo?)
  6. Conformidade ao grupo (experimento de Asch, que você pode ver AQUI)

Não está disposto a ler toooodo esse post? Tudo bem, você pode assistir a um resumão abaixo.

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