Novo meio de gerar eletricidade pode alimentar cem lâmpadas LED a partir de gotas

SoCientífica
Crédito: Pxhere / Public Domain (https://pxhere.com/en/photo/1030162)

A chuva pode se tornar uma nova fonte renovável de eletricidade, com perspectiva de boa capacidade de geração, segundo uma nova pesquisa publicada na Nature. 

Aproveitar o ciclo da água e gerar eletricidade a partir da chuva pode ser uma maneira de aumentar o uso de energia renovável. Contudo, os cientistas não conseguiram que os pingos de chuva produzissem uma quantidade significativa de energia elétrica. Mas finalmente temos novidades nas pesquisas científicas que procuram desenvolver a geração de eletricidade a partir das gotas de chuva.  

Os cientistas já estudam esse tipo de produção de energia há anos, um exemplo é este paper de 2014. Isso por que a física para a conversão a energia das gotas de chuva em eletricidade é muito mais difícil do que coletar a energia de uma maré alta ou da correnteza de um rio, por exemplo. Apesar de ainda estarmos longe de guarda-chuvas que também são geradores de eletricidade e capazes de carregar o smartfone enquanto se caminha sob a chuva, a abordagem mais recente mostra que pode haver uma maneira de obter energia das gotas de chuvas com um nível de eficiência que pode tornar este sistema capaz de ser utilizado em larga escala.  

Os cientistas da Universidade da Cidade de Hong Kong (CityU) usaram uma superfície revestida de Teflon e um fenômeno chamado triboeletricidade para gerar eletricidade a partir de gotas de chuva. E as estimativas são animadoras. Segundo essa nova pesquisa, cujo artigo científico foi publicado na prestigiada revista Nature (é possível ler o artigo neste endereço), o método usando triboeletricidade  poderia gerar energia suficiente a partir de uma única gota de chuva para acender cem pequenas lâmpadas do tipo LED. Esse número é um grande salto em eficiência, na razão de várias milhares de vezes, ao que se tinha até aqui. 

 “Nossa pesquisa mostra que uma gota de 100 microlitros de água liberada a uma altura de 15 centímetros pode gerar uma tensão acima de 140V, e a energia gerada pode acender cem pequenas luzes LED”, diz o engenheiro da CityU, Wang Zuankai. Um microlitro equivale a um milionésimo do litro, ou seja, 0,001 mililitros (ml). Por isso, essa tensão obtida soa como uma quantidade surpreendente de tensão, mas os engenheiros usaram alguns truques engenhosos para fazer isso acontecer. 

Um gerador de energia de gota convencional baseado no efeito triboelétrico pode gerar eletricidade induzida por eletrificação por contato e indução eletrostática quando uma gota atinge uma superfície. E a equipe de pesquisadores autora do artigo incorporou melhorias ao seu gerador de eletricidade baseado em gotículas. O método é conhecido pela sigla DEG, do inglês droplet-based electricity generator), ao qual foi acrescido o uso de um microfilme de politetrafluoretileno, ou PTFE, capaz de acumular uma carga superficial à medida que é continuamente atingida por gotículas de água, até que, gradativamente, se atinja a saturação desse filme. Ou seja, esse projeto da equipe do Professor Wang se caracterizado por uma estrutura do tipo semelhante a transistor de efeito de campo (FET), o que permite alta eficiência de conversão de energia e a densidade instantânea de energia aumentou milhares de vezes em comparação com suas contrapartes sem estrutura semelhante ao FET. 

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A figura “a” é o diagrama esquemático do DEG: uma lâmina de vidro ITO é revestida com uma película fina de PTFE e um eletrodo de alumínio é colocado sobre ela. Gotas de água atuam como porta do transistor e completam o circuito quando atingem a superfície do vidro. A figura “b” é a imagem que mostra quatro dispositivos DEG paralelos fabricados no substrato de vidro. (City University of Hong Kong – CityU, Wanghuai et al., Nature) 

Com isso, a equipe descobriu que, as gotículas de água agem como uma “ponte” que conecta dois eletrodos quando elas atingem a superfície e se espalham. Um eletrodo é de alumínio e o outro eletrodo é o filme de oxido de indio dopado com estanho (ITO), com o PPTE como cobertura. Assim, a ponte de gotículas, por sua vez, cria uma superfície de circuito fechado para que toda a energia coletada possa ser liberada. Desse modo, as gotículas atuam como resistores e o revestimento da superfície como capacitor. 

Melhora considerável 

 A eficiência da conversão da queda de gotas de chuva em energia elétrica melhorou bastante. No entanto, a quantidade de cargas geradas na superfície é limitada pelo efeito interfacial e, como resultado, a eficiência de conversão de energia é bastante baixa. Para melhorar a eficiência da conversão, a equipe da CityU passou dois anos desenvolvendo o DEG. Sua densidade instantânea de energia pode atingir até 50,1 W / m2, milhares de vezes superior a outros dispositivos similares sem o uso de um design semelhante ao FET. E a eficiência de conversão de energia é notavelmente mais alta. 

O professor Wang apontou que existem dois fatores cruciais para o avanço observado na invenção. Primeiro, a equipe descobriu que as gotículas contínuas que atingem o microfilme de PTFE, um material de eletreto com uma carga elétrica quase permanente, fornecem uma nova rota para o acúmulo e armazenamento de cargas na superfície de alta densidade. Eles descobriram que quando as gotas de água atingem continuamente a superfície do PTFE, as cargas superficiais geradas se acumulam e gradualmente atingem uma saturação. Essa nova descoberta ajudou a superar o gargalo de baixa densidade de carga encontrado no trabalho anterior. 

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A pesquisa da equipe da CityU mostrou que uma gota de água liberada a uma altura de 15 cm pode gerar uma tensão acima de 140V, que pode acender 100 pequenas luzes LED. Clique na imagem para ver o vídeo. (City University of Hong Kong – CityU, Wanghuai et al., Nature)

Pesquisas mostram que uma gota de água liberada a uma altura de 15 cm pode gerar uma tensão acima de 140V, que pode acender 100 pequenas luzes LED. Clique na imagem para ver o vídeo.

Outra característica importante o projeto é um conjunto único de estruturas semelhantes a um FET, que foi objeto de um prêmio Nobel de Física em 1956 pela sua inovação e hoje se tornou o alicerce básico dos modernos dispositivos eletrônicos. O dispositivo consiste em um eletrodo de alumínio e um eletrodo de óxido de índio e estanho (ITO) com uma película de PTFE depositada nele. O eletrodo PTFE / ITO é responsável pela geração, armazenamento e indução de cargas elétricas. Quando uma gota d’água cai e se espalha na superfície de PTFE / ITO, ela “liga” naturalmente o eletrodo de alumínio e o eletrodo de PTFE / ITO, convertendo o sistema original em um circuito elétrico de circuito fechado. 

A equipe de pesquisadores explicou que “com esse desenho especial, uma alta densidade de cargas de superfície pode ser acumulada no PTFE através de uma colisão contínua de gotículas. Enquanto isso, quando a água espalhada conecta os dois eletrodos, todas as cargas armazenadas no PTFE podem ser totalmente liberadas para a geração da corrente elétrica. Como resultado, a densidade instantânea de energia e a eficiência de conversão de energia são muito maiores”. 

O professor Wang ressalta que o aumento da densidade instantânea de potência não resulta de energia adicional no material eletreto (PTFE), mas da conversão da energia cinética da própria água. “A energia cinética envolvida na queda de água é devida à gravidade e pode ser considerada livre e renovável. Essa energia pode ser melhor utilizada”, explicou.  

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Pesquisadores membros da City University of Hong Kong (CityU) no laboratório com o aparato capaz de gerar de energia elétrica a partir de gotas de água. Na foto (a partir da esquerda) Zheng Huanxi, Xu Wanghuai, Professor Wang Zuankai, Dr Zhang Chao e Song Yuxin, autores do artigo científico publicado na Nature. (CityU/Reprodução)

O professor Wang disse esperar que o resultado desta pesquisa ajude a aumentar a capacidade de geração de energia proveniente da água para responder ao problema global da falta de energia renovável. “Ele acreditava que, a longo prazo, o novo design poderia ser aplicado e instalado em diferentes superfícies, onde o líquido está em contato com um sólido, para utilizar totalmente a energia cinética de baixa frequência proveniente da água. Isso pode variar da superfície do casco de uma balsa à superfície de guarda-chuvas ou até dentro de garrafas de água”, publicou a CityU. “Gerar energia a partir de gotas de chuva em vez de petróleo e energia nuclear pode facilitar o desenvolvimento sustentável do mundo”, acrescentou. 

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