Um modelo estatístico adaptado da literatura internacional e alimentado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) baseado na taxa da transmissibilidade da Covid-19 indica que o Sul e o Centro-Oeste são os novos focos da disseminação da doença no Brasil. Isso porque, nessas regiões, o contágio está se alastrando de uma pessoa doente para novos contaminados de forma mais rápida. No Sul, uma pessoa com a doença está contagiando uma média de outras 1,23. No Centro-Oeste, o indicador é ainda maior: cada individuo doente contamina outros 1,35.
Os dados estão sendo atualizados sistematicamente por uma equipe do Laboratório de Estatística e Geoinformação, em parceria com o Serviço de Epidemiologia do Complexo Hospital de Clínicas da UFPR. Segundo o professor Wagner Bonat, que está a frente dos estudos, a investigação da taxa de transmissibilidade baseada nos óbitos é mais confiável do que a que se baseia nos casos notificados. Basicamente, quando o indicador é maior do que um, significa que o número absoluto de infectados aumentará exponencialmente. “Isso nos informa um número aproximado de possíveis novos casos”, explica o pesquisador. A taxa é representada no modelo pela letra R.
O modelo alimentado pela equipe da UFPR permite que se avalie a situação ao longo do tempo e indica mudanças dos cenários que podem ser influenciadas pelas medidas de mobilidade e isolamento social. O Norte do país, por exemplo, que já teve índices de transmissibilidade maiores do que um, hoje têm uma taxa menor (0.86), o que também acontece no Nordeste (0.92). “O índice 1 significa que a doença não vai aumentar, nem diminuir. Quanto maior o número, mais rápido o crescimento da doença”, pontua.
Os dados do Sul do país, que eram de 0,86 no mês de abril, hoje indicam outro cenário. Somente no estado de Santa Catarina, uma pessoa infectada está transmitindo o vírus para outras 1,58. No Paraná, que em maio chegou ao índice de 0,86, hoje tem-se 1,16 novos contágios a cada pessoa infectada. “O que vimos acontecer em outras regiões do país, como no Norte, é que a doença progrediu rapidamente em cerca de duas semanas, é o que parece que esta ocorrendo aqui”, explica.
Ainda conforme o professor, é preciso considerar que o indicador R baseado em óbitos não é calculado em tempo real, pois depende da notificação das mortes. “Há sempre um atraso de dez a 14 dias que não deve ser desconsiderado”, justifica. Além disso, o delay também está relacionado ao impacto das medidas de contenção do vírus: as que são tomadas hoje, começam a repercutir em duas ou três semanas.
Outro fator importante para qualquer análise a partir dos números, segundo ele, é considerar as diferenças regionais e as políticas de contenção adotadas em cada local. “Mas é possível dizer que ainda estamos num momento muito ruim”. As análises possuem incertezas, mas apontam uma tendência mais provável, sendo sensíveis às mudanças na dinâmica da população.
Modelo vai alimentar novas pesquisas
De acordo com Bonat, o modelo epidemiológico que vem sendo usado como base para os estudos já vem sendo utilizado na estatística desde a década de 1980, mas é a primeira vez que essa equipe usa os números para entender uma questão de saúde pública. A demanda da UFPR surgiu a partir do contato com o médico infectologista do HC, Bernardo Montesanti, que indicou a importância de se conhecer o índice de transmissibilidade.
Além deles, fazem parte da equipe os professores Elias Teixeira Krainski, Paulo Justiniano Ribeiro Jr e Silvia Emiko Shimakura, todos do Laboratório de Estatística e Geoinformação. Na prática, uma linguagem de programação capta os dados oficias sobre a pandemia no Brasil e as interpreta a partir de um modelo operacionalizado pela equipe. Depois de atualizados, os dados geram gráficos por estados, região e no Brasil.
A proposta é que a ferramenta sirva para o desenvolvimento de novas pesquisas. Uma delas é justamente pensar em como a mobilidade e o isolamento social interferiram nos indicadores. “Podemos tentar entender como as restrições na mobilidade social impactaram nas taxas de transmissibilidade”, explica. De acordo com o professor, vários fatores podem ocasionar a variação do R: desde o uso de máscaras, até os hábitos de higienização e a própria dinâmica natural do vírus. “Estes dados são algo que vamos procurar investigar em novas fases de pesquisa”.