Médicos medievais diagnosticavam doenças olhando e provando a urina

Felipe Miranda
Obra é intitulada 'Médico da aldeia olhando para uma amostra de urina'. Pintada por David Teniers, em 1645.

A uroscopia envolve uma série de análises da urina, e é muito utilizada até os dias de hoje em diversos diagnósticos feitos pelos médicos. No entanto, durante a Idade Média, a uroscopia era bastante esquisita.

“A uroscopia chegou à Idade Moderna completamente desacreditada, em decorrência da atuação de médicos e leigos mal-intencionados que visavam apenas o ganho financeiro e não mediam esforços para enganar e ludibriar pacientes incautos”, diz em um artigo Paulo Murillo Neufeld, editor-chefe da Revista Brasileira de Análises Clínicas (RBAC).

“Já no final da Idade Média, diversos textos foram escritos com o intuito de alertar a comunidade médica acerca dos excessos cometidos por parte dos uroscopistas chalatães”, diz Neufeld.

“No entanto, na Idade Moderna, sob a influência do Iluminismo e da ciência nascente, o diagnóstico por adivinhação da uroscopia foi dando lugar a uma abordagem mais sistemática com os avanços da química orgânica/ alquimia e a introdução do microscópio óptico”, explica o editor chefe da RBAC.

Os primórdios

Os primeiros registros da uroscopia remontam, inicialmente, a quatro mil anos antes de Cristo. Durante os séculos V a IV a.C, a uroscopia se tornou bastante popular por ser considerada um componente importante no repertório de diagnósticos de um médico.

O jornalista e crítico de arte Oscar D’Ambrosio diz que “a uroscopia é uma prática médica que existe desde o Antigo Egito, Babilônia e Índia, sendo particularmente enfatizada na medicina bizantina, com foco no exame visual da urina de um paciente para verificar a presença de pus, sangue ou outros sintomas de doenças”.

Durante o século XIII (13), a uroscopia era tida como uma prática prestigiosa e infalível. Os médicos da época acreditavam que somente de olhar para a urina, diagnósticos precisam podiam ser feitos.

Conforme já citado, essa crença abria espaço para charlatões. Cobrando uma taxa, olhavam de diversos ângulos, cheiravam, fingiam analisar a urina. E assim, ganhavam uma boa quantidade de dinheiro.

Havia gráficos ilustrados que forneciam aos médicos as informações em relação à cor, consistência e os sedimentos na urina. Mas nada era tão científico quanto nos dias de hoje.

Além de uma certa resistência criada quando os charlatões passaram a abusar demais da prática, os médicos passavam por outros apuros. E se alguém quisesse testar suas habilidades e trocar a urina por algum outro líquido visualmente semelhante?

Mas mesmo assim, havia a sua utilidade. “A prática era muito adotada porque, em diversas culturas, o exame direto de um paciente, principalmente sem roupa, era socialmente inaceitável”, diz D’Ambrosio.

Pós Idade Média

Neufeld diz que “na Idade Moderna, sob a influência do Iluminismo e da ciência nascente, o diagnóstico por adivinhação da uroscopia foi dando lugar a uma abordagem mais sistemática com os avanços da química orgânica/ alquimia e a introdução do microscópio óptico”.

Durante o século XVII, Thomas Willis tornou-se a primeira pessoa a registrar o sabor doce da urina em pacientes diabéticos. Com isso, foi um dos primeiros médicos admitir publicamente que provaram a urina. Mas isso ocorreu durante uma época em que a prática da uroscopia estava em declínio.

Mas outros curiosos conseguiram resultados na exploração da urina.

Em 1630, o naturalista francês Nicolas-Claude Fabri de Peiresc foi o primeiro a observar cristais e fragmentos de cálculos renais, utilizando um microscópio primitivo.

“Na verdade, a análise microscópica da urina só chamaria mais atenção da comunidade médica internacional e ganharia uma perspectiva mais científica e de apoio diagnóstico cerca de duzentos anos após a invenção do microscópio, quando os primeiros estudos sobre o tecido renal surgiram”.

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