Os mitos de Heinrich Schliemann, o homem que descobriu e quase destruiu Troia

Dominic Albuquerque
Escavações em Troia nos anos de 1890.

Quando Heinrich Schliemann, um homem de negócios alemão, descobriu em 1873 um conjunto de artefatos antigos no local agora conhecido como Hisarlik, na Turquia, ele rapidamente identificou as joias de ouro, os vasos de prata e outros objetos preciosos como pertencentes ao tesouro de Príamo, o rei lendário de Troia.

Um arqueólogo amador, Schliemann contrabandeou os achados para fora da Anatólia, e os apontou como prova de que Hisarlik e Troia, a cidade sitiada e imortalizada na Ilíada de Homero, eram o mesmo lugar.

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Heinrich Schliemann em 1870. Imagem: American School of Classical Studies at Athens, Archives, Heinrich Schliemann Papers

Ainda que Schliemann tenha identificado corretamente a localização de Troia, ele errou nos seus apontamentos sobre o tesouro. Arqueólogos logo descobriram que eles eram anteriores à Guerra de Troia em cerca de 1250 anos, o que significa que pertenciam a uma civilização completamente diferente da existente no poema épico de Homero.

Acreditando que o reino de Príamo se encontrava no nível mais baixo do sítio arqueológico, o aventureiro se apressou na escavação dos níveis superiores, destruindo quase todos os vestígios da cidade que ele buscava encontrar.

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Vasos de cerâmica da cultura micênica, Troia Vi-VII, período tardio da Idade do Bronze, 1700-1180 AEC. Imagem: Staatliche Museen zu Berlin, Museum für Vor- und Frühgeschichte / Claudia Plamp

A vida de Heinrich Schliemann, o homem que encontrou e quase destruiu os vestígios de Troia

The Worlds of Schliemann” (“Os Mundos de Schliemann”, em tradução livre), nova exibição organizada pelo Museu de Pré-história e História Antiga de Berlim, revisita a vida e o legado do arqueólogo amador.

Schliemann era um comerciante, e alguém que explorou como podia as possibilidades existentes no século XIX. Ele viajou para muitas partes do mundo, e era um homem sem medos, de acordo com Matthias Wemhoff, gerente de projeto da exibição.

Filho de um ministro pobre, o jovem Schliemann trabalhou em uma mercearia antes de ganhar uma vaga como grumete em um navio com destino à Venezuela, que naufragou na costa holandesa.

Ele então se acomodou em Amsterdã, trabalhando como contador numa firma comercial que posteriormente o enviou a São Petersburgo, onde ele fez uso do seu conhecimento de diversas línguas, inclusive russo e holandês, para se estabelecer como um empresário.

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Heinrich Schliemann em 1860, quando era um empresário em São Petersburgo. Imagem: Staatliche Museen zu Berlin, Museum für Vor- und Frühgeschichte

Depois de se aposentar aos 36, começou a se aventurar no mundo da arqueologia, buscando pela cidade de Troia desde então.

Homero escreveu sobre a guerra de Troia no século VIII AEC, e estudiosos debateram por muito tempo a veracidade do poema, mas agora concordam que ele descreve eventos que ocorrerem em Hisarlik em torno de 1180 AEC, rumo ao fim da Idade do Bronze.

Muito se debate ainda acerca do tamanho de Troia, sobre os motivos do conflito, a importância da cidade na região, e se os personagens descritos por Homero realmente existiram.

Schliemann chegou a Hisarlik em 1868, determinado a fazer seu nome no mundo da arqueologia. Lá, encontrou Frank Calver, um arqueólogo amador, que o incentivou a focar sua pesquisa nos montes da área.

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Equipe de escavação em Troia nos anos 1890. Imagem: bpk

O alemão logo começou suas escavações em 1870, sem sequer buscar permissão das autoridades locais. Após sua primeira escavação não dar resultados, Schliemann adotou uma nova tática, instruindo sua equipe a cavar uma trincheira de quase 14m de profundidade.

Seus métodos eram destrutivos, mesmo para os padrões da época. Segundo observações de Jill Rubalcaba e Eric H. Cline em Digging for Troy: From Homer to Hisarlik, Schliemann cavou diversas camadas de solo sem fazer um registro apropriado do que encontrava.

Ainda que Schliemann tenha argumentado que os colares, diademas, broches, armas e outros tesouros que encontrou pertenciam à Príamo, escavações subsequentes demonstraram que eles na verdade vinham de Troia II, uma camada datada de 2400 AEC, muito antes da Guerra de Troia.

As ruínas da Troia de Homero, na verdade, se localizavam muitas camadas acima, no nível da Troia VI.

Conduzindo escavações na cidade de Micenas, em 1876, Schliemann descobriu uma impressionante máscara funerária de ouro, que acreditava ser de Agamemnon, um dos personagens da Ilíada.

Pesquisas mais recentes refutaram essa conexão, indicando que a máscara foi criada 300 anos após o período onde Agamemnon teria vivido, e que pode ser até uma invenção moderna.

Schliemann morreu ao final de 1890, e as escavações foram continuadas por Wilhelm Dörpfeld, um arqueólogo que ele tinha contratado para dirigi-las. Após a morte de Schliemann, Dörpfeld continuou o trabalho sob pedido da viúva do alemão, identificando posteriormente nove camadas no sítio, inclusive uma que provavelmente sofreu a completa destruição infligida pelos gregos aos troianos ao final da guerra.

A coautora de Digging for Troy: From Homer to Hisarlik, Cline, resumiu o legado polêmico da figura de Schliemann da seguinte maneira: “Se você olha os mapas de escavação, há uma lacuna no meio onde diz ‘Palácio removido por Schliemann. Ele encontrou o palácio de Príamo e então o jogou fora. Ele encontrou Troia, mas também destruiu Troia”.

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Exibição de “The Worlds of Schliemann”. Imagem: James-Simon-Galerie 2022, © Staatliche Museen zu Berlin / David von Becker
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