Estudo reescreve a história da antiga ponte de terra entre a Grã-Bretanha e a Europa

Felipe Miranda
Doggerland.

É possível viajar entre Londres e Paris de trem. No entanto, não há uma área terrestre que ligue os dois países. O Reino Unido está, majoritariamente, na Grã-Bretanha, a principal das ilhas britânicas. Esse trem passa por baixo do Canal da Mancha (a parte mais estreita do mar que separa os dois territórios).

Em alguns pontos, essa divisão marítima é vantajosa; por exemplo, foi justamente a existência do canal da mancha um dos pontos pelos quais a Alemanha não conseguiu invadir a Inglaterra, pois essa separação das Ilhas Britânicas do continente deixou mais difícil que Hitler chegasse até lá. Esse mar (Mar do Norte) que um dia foi terra (Doggerland) já foi palco de inúmeras aventuras, viagens e disputas militares na história.

No entanto, 10 mil anos atrás, o Canal da Mancha e boa parte do o Mar do Norte não existiam. Isso significa que havia um território seco que ligava as duas árias. Essa área chama-se Doggerland. Esse território era bastante grande, e ligava todas as ilhas britânicas à Europa Continental por meio de diversos países, como França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha e Dinamarca.

Em termos geológicos, 8 mil anos é ontem. Os humanos já caminhavam por aí. Ou seja, algum evento muito recente ocasionou a inundação desse enorme território. Nessa área, em algum momento do passado caçadores-coletores do período Mesolítico (um dos períodos da pré-história humana) viveram, viajaram e se estabeleceram. Na verdade, há 8 mil anos alguns grupos de humanos já eram agricultores.

8150 anos atrás, ocorreu um evento conhecido como Storegga Slide. O desastre foi um enorme deslizamento de terra submarino ocorrido na costa da atual Noruega. Esse deslizamento desencadeou um enorme tsunami no mar do norte, inundando uma enorme área, que corresponde ao que conhecemos hoje como Doggerland.

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O gradual desaparecimento de Doggerland. Imagem: Walker / Antiquity

No entanto, o questionamento dos pesquisadores é em relação à possibilidade de que esse tsunami não tenha sido um ponto final. Ou seja, há evidências de que Doggerland não tenha sido toda inundada de uma vez. Partes do território podem ter formado um arquipélago (um conjunto de ilhas).

Para a pesquisa, foram necessários 15 anos de mapeamento na área, onde foram encontradas evidências sedimentares da inundação e outros detalhes. Por meio de mapeamento sísmico e outras técnicas computadorizadas, os pesquisadores mapearam pântanos, rios e diversas características geográficas do território de Doggerland. Os pesquisadores publicaram o estudo na revista Antiquity.

“Se você estivesse na costa naquele dia, há 8.200 anos, não há dúvida de que teria sido um dia ruim para você”, disse ao jornal britânico The Guardian o professor de arqueologia da paisagem Vincent Gaffney, da Universidade de Bradford. “Foi uma catástrofe. Muitas pessoas, possivelmente milhares de pessoas, devem ter morrido”.

Entre 110.000 e 12.000 anos atrás ocorreu um período glacial na Terra. Então, eles acreditam que 9 mil anos atrás, mudanças climáticas que derreteram parte desse gelo do período glacial já haviam causado uma inundação de uma área considerável através de um aumento no nível do mar. O tsunami também ocorreu, e inundou outras áreas. Mas ainda restou um arquipélago.

Após mais de um milênio sobrevivendo, a área restante de Doggerland finalmente afundou.

Hoje, nada sabemos sobre quem habitou a área. No ano passado, dois pedaços de sílex foram encontrados. Mas isso é muito pouco.

“Não podemos ver [as evidências de seus assentamentos], porque a área é enorme e está coberta por dezenas de metros de lodo marinho e marinho”, explica Gaffney ao Guardian.

Com essas conclusões, novos estudos futuros podem ajudar a explicar a história de como os seres humanos chegaram e se assentaram de maneira permanente na Grã-Bretanha. Além disso, pela aparente animação da mídia britânica, isso pode contribuir fortemente para o mito de fundação dos povos britânicos.

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