Estes pássaros trabalham em cooperação com humanos para caçar mel

Os pássaros podem até diferenciar os cantos de seus humanos locais dos cantos de outros grupos.

Damares Alves
Imagem: Claire Spottiswoode

Em certas regiões da África, as pessoas se comunicam com um pássaro selvagem para encontrar colônias de abelhas e colher seus estoques de mel e cera de abelha.

O grande-guia-de-mel (Indicator indicator), uma espécie de pássaro nativo da região, estabeleceu uma relação única com os humanos, guiando-os até colmeias escondidas. Essa parceria beneficia ambas as partes: os humanos obtêm acesso ao mel, enquanto os pássaros se alimentam da cera e das larvas deixadas para trás após os ataques às colmeias.

Uma forte relação mutualística

Pássaro guia-do-mel-maior alimentando-se de um favo de Mel
Imagem: Brian Wood

A comunicação entre humanos e grandes-guias-de-mel é sofisticada, com cada espécie reconhecendo e respondendo aos chamados específicos da outra. Os caçadores de mel usam um sinal vocal tradicional para atrair a atenção das aves e iniciar a busca por uma colmeia.

Ao ouvir um chamado específico, os grandes-guias-de-mel respondem e começam a liderar o caminho, voando de árvore em árvore e esperando que os humanos os sigam. A orientação dos pássaros não é um ato aleatório, mas um esforço deliberado para direcionar os caçadores de mel para o local de uma colônia de abelhas.

Essa relação mutualística não é apenas uma ocorrência casual, mas um comportamento aprendido e transmitido por gerações entre humanos e aves. O conhecimento cultural de como interagir com os grandes-guias-de-mel é ensinado pelos mais velhos aos membros mais jovens da comunidade, garantindo a continuação dessa tradição única. Este é um raro exemplo de cooperação entre humanos e animais selvagens e um exemplo potencial de coevolução cultural.

As pesquisas se aprofundaram nessa interação fascinante, revelando as complexidades dos chamados usados e a compreensão mútua entre as duas espécies.

Cientistas analisam a relação entre humanos e os grandes-guias-de-mel

Em um artigo recém-publicado na revista Science intitulado “Comunicação interespécies culturalmente determinada entre humanos e grandes-guias-de-mel”, o antropólogo da UCLA, Brian Wood, e a ornitóloga da Universidade da Cidade do Cabo, Claire Spottiswoode demosntraram que os grandes-guias-de-mel são seletivos em sua capacidade de resposta, distinguindo entre os chamados de caçadores de mel experientes e aqueles que não estão familiarizados com os sinais adequados.

Além disso, os pássaros não apenas demonstraram ter excelente memória, mas também diferenciam os chamados das pessoas que procuram mel. Os caçadores de mel do povo Yao de Moçambique possuem um chamado que consiste em um trinado seguido de um grunhido ao seguir os pássaros. Já os Hadza na Tanzânia utilizam um apito.

Ouça o sinal vocal do povo Hadza:

O povo Hadza costuma chamar os grandes-guias-de-mel assoviando.

Ouça o sinal vocal do povo Yao:

Em Moçambique, os caçadores de mel Yao fazem-no com um vibrante “Brr! 
…” seguido por um gutural “… hmm!” 

“Nosso estudo demonstra a capacidade da ave de aprender sinais vocais distintos que são tradicionalmente usados ​​por diferentes comunidades caçadoras de mel, ampliando as possibilidades de cooperação mutuamente benéfica com as pessoas”, disse Wood em um comunicado.

“Os grandes-guias-de-mel parecem conhecer a paisagem intimamente, reunindo conhecimentos sobre a localização dos ninhos de abelhas, que depois partilham com as pessoas, disse Spottiswoode. “E as pessoas estão ansiosas pela ajuda do pássaro.”

As conclusões do estudo baseiam-se em uma pesquisa realizada em 2014, que destacou as vantagens substanciais dessa relação simbiótica para o povo Hadza. A pesquisa revelou que a presença de grandes-guias-de-mel aumentou notavelmente a taxa de sucesso dos caçadores-coletores Hadza na localização de ninhos de abelhas em impressionantes 560%, guiando-os a colmeias que rendiam consideravelmente mais do que aquelas descobertas sem a ajuda desses guias aviários. Essa pesquisa anterior também revelou que os grandes-guias-de-mel contribuíam com 8% a 10% da ingestão alimentar anual dos Hadza.

Outras espécies também cooperam com humanos em busca de alimento

Desde tempos ancestrais, a cooperação entre animais e seres humanos tem desempenhado um papel fundamental na hora de encontrar alimento. Cães de caça, por exemplo, são conhecidos não apenas por sua lealdade, mas também por suas habilidades em rastrear e recuperar presas, tornando-se parceiros insubstituíveis nas jornadas de caçadores. Além dos cães, existem outros animais que também estabelecem relações de cooperação com humanos para caçar. 

Golfinhos ajudam pescadores em Laguna, SC
Imagem: Ronaldo Amboni

Um exemplo fascinante dessa colaboração ocorre em Laguna, no litoral de Santa Catarina. Ali, os golfinhos selvagens ajudam os pescadores locais de uma maneira surpreendente e única. O processo começa quando os golfinhos arrebanham cardumes de tainhas em direção à costa. Em seguida, eles dão sinais aos pescadores, como batidas com a cabeça ou com a cauda na superfície da água, indicando o momento exato para que eles lancem suas redes.

Essa parceria entre humanos e golfinhos parece ser benéfica para ambos. Os pescadores conseguem capturar mais peixes do que conseguiriam sozinhos, e é provável que os golfinhos se alimentem dos peixes que escapam das redes ou se alimentem dos peixes menores que são dispersados durante o processo.

A cooperação entre golfinhos e humanos em Laguna é um exemplo de mutualismo, uma interação entre espécies onde ambas obtêm benefícios. Acredita-se que essa prática tenha se desenvolvido ao longo de muitas gerações, tanto de golfinhos quanto de pescadores, e é um testemunho da capacidade de aprendizado e adaptação dos golfinhos, assim como da capacidade humana de engajar-se em parcerias interespécies.

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