Canibal de 800.000 anos revela o DNA humano mais antigo do mundo

Milena Elísios
Restos esqueléticos do Homo antecessor. Imagem: José Maria Bermúdez de Castro

Há quase três décadas, um grupo de arqueólogos descobriu os restos fossilizados de um grupo arcaico de seres humanos nas montanhas de Atapuerca, no sul da Espanha. Eles eram diferentes de quaisquer outros já analisados. Os ossos foram cortados e fraturados e pareciam ter sido canibalizados. Os maiores fragmentos esqueléticos vieram de seis indivíduos e datam de cerca de 800.000. O grupo canibal de 800.000 anos compartilhava algumas semelhanças com humanos modernos (Homo sapiens), além de outros parentes humanos agora extintos, como neandertais e denisovanos.

Agora, este grupo de hominídeos anteriormente desconhecidos foram nomeados como Homo antecessor.

Um grupo canibal de 800.000 anos

Em um estudo publicado na Nature, pesquisadores sequenciaram as proteínas antigas no esmalte de um dente do canibal de 800.000 anos. Após comparar seu código genético com dados de amostras de dentes humanos mais recentes, a equipe concluiu que o DNA do Homo antecessor era muito diferente para caber no mesmo ramo da árvore evolutiva que os humanos, neandertais e denisovanos. Por isso a equipe concluiu que o H. antecessor provavelmente era uma “espécie irmã” do ancestral compartilhado que levou à evolução dos seres humanos modernos e de nossos primos extintos. 

“Estou contente por o estudo das proteínas fornecer provas de que a espécie Homo antecessor pode estar intimamente relacionada com o último antepassado comum dos Homo sapiens, Neanderthals e Denisovanos”, disse o co-autor do estudo, José María Bermúdez de Castro em um comunicado. “As características partilhadas pelo H. antecessor com estes hominídeos apareceram claramente muito anteriores ao que se acreditava”.

Recriação digital de mandíbulas e dentes pertencentes a espécie canibal de 800.000 anos, o Homo antecessor. (Imagem: © Prof. José María Bermúdez de Castro)
Recriação digital de mandíbulas e dentes pertencentes a espécie canibal de 800.000 anos, o Homo antecessor. Imagem: Prof. José María Bermúdez de Castro

Reconstruindo a árvore genealógica humana

Para alcançar esses resultados, os pesquisadores usaram o estudo de proteínas antigas. Usando a espectrometria de massa, que exibe as massas de todas as moléculas em uma amostra. Nossas células constroem proteínas de acordo com as instruções contidas em nosso DNA, com três nucleotídeos, ou letras, em uma cadeia de DNA que codifica um aminoácido específico. Cadeias de aminoácidos formam uma proteína. Portanto, as cadeias de aminoácidos que formam a sequência única de proteínas de cada pessoa revelam os padrões de nucleotídeos que formam o código genético dessa pessoa.

Estudar proteínas antigas abre uma janela para o nosso passado genético de uma maneira que a análise de DNA não pode. O DNA degrada-se relativamente rapidamente, tornando-se ilegível dentro de várias centenas de milhares de anos. Até o momento, o DNA humano mais antigo já sequenciado tinha cerca de 430.000 anos, de acordo com um estudo publicado na Nature em 2016. Enquanto isso, as proteínas podem sobreviver em fósseis por milhões de anos. 

A qualidade das amostras é um fator limitante

Embora a análise de proteínas permita que os pesquisadores examinem muito mais o passado do que outros métodos de sequenciamento genético, os resultados ainda são limitados pela qualidade e número de amostras disponíveis para o estudo. Como este novo estudo se baseia apenas se baseia apenas em alguns dentes do H. antecessor, os resultados fornecem apenas um palpite de onde a espécie está na árvore evolutiva. Mais evidências fósseis são necessárias para detalhar esses resultados.

Um dente do Homo antecessor foi estudado usando análise de proteínas antigas. (Imagem: PROF. JOSÉ MARÍA BERMÚDEZ DE CASTO)
Um dente do Homo antecessor foi estudado usando análise de proteínas antigas. Imagem: PROF. JOSÉ MARÍA BERMÚDEZ DE CASTO

A qualidade das amostras fósseis é um fator muito importante. Como parte deste estudo, os pesquisadores também examinaram um molar de 1,77 milhão de anos retirado de um fóssil Homo erectus (um ancestral humano antigo que viveu 2 milhões de anos atrás) descoberto anteriormente na Geórgia; no entanto, a sequência de proteínas era muito curta e danificada para oferecer novas informações sobre o DNA da amostra. 

Por enquanto, nossa árvore genealógica terá de permanecer com esta lacuna.

O estudo foi publicado na revista Nature, clique aqui para acessá-lo.

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