Astrônomos descobrem misteriosa cavidade de 500 anos-luz de largura na Via Láctea

Jônatas Ribeiro

Somos poeira das estrelas“. A famosa citação é atribuída a Carl Sagan, um dos maiores astrônomos e divulgadores científicos do século XX. De fato, a frase tem implicações profundas. E, diga-se de passagem, filosóficas. Faz-nos contemplar nossa pequenez em relação ao universo. Mas também nos lembra de que cada átomo em nossos corpos, em dado momento de sua história, veio do céu. A citação, contudo, também tem grande conteúdo científico. Isso porque sabe-se, desde meados do século XX, que a produção de elementos químicos é justamente a forma com que estrelas geram energia. Isto é, por colisões entre inúmeros núcleos atômicos, em processo de fusão nuclear. E assim, formam elementos mais e mais pesados.

A estrela, contudo, não forma elementos para sempre. Ela, assim como nós, passa por processos de nascimento e morte. Seu fim, em particular, pode ocorrer de formas bem diferentes de acordo com a massa de cada estrela. Quando extingue seu combustível, a estrela se expande e começa a queimar núcleos sucessivamente mais pesados. Em determinado momento, contudo, ela não consegue mais realizar a queima. Para estrelas de massa mais próxima à do Sol, a morte é mais quieta. Tornam-se anãs brancas e expelem o excesso de gás em torno de si. O resultado é uma bela nuvem chamada nebulosa planetária. Para estrelas mais pesadas, por sua vez, o resultado são explosivas supernovas.

Em ambos os casos, gás é liberado no universo. Nem só de remanescentes da morte de uma estrela vive o espaço entre sistemas estelares, contudo. Há regiões que registram o fim, mas também há as que registram o início. E as duas estão ligadas.

Estrelas em nascimento

O meio interestelar, como chamamos a região do espaço entre sistema estelares, é permeado por gás e poeira. É mais, porém, do que apenas uma região intermediária do espaço, entre grandes corpos. Objetos do meio, como as já mencionadas nebulosas planetárias e remanescentes de supernova, podem carregar informações importantes. Inclusive, até mesmo sobre a galáxia que os envolve. Isso porque o meio interestelar muda constantemente. Isto é, está sempre sendo enriquecido por novas amostras de gás. Essas vêm de processos estelares que expelem matéria para o universo. Como as já mencionadas nebulosas planetárias e supernovas, por exemplo.

nuvens moleculares
Imagem: NASA, Jeff Hester, Paul Scowen (Arizona State University)

Se há registros de mortes de estrelas no meio interestelar, contudo, também há registros de seus nascimentos. No caso, são as nuvens moleculares. Aliás, também chamadas popularmente de “berçários estelares”. Elas são nuvens frias e densas de gás que permeiam o espaço interestelar. Suas baixas temperaturas permitem a detecção de moléculas, sobretudo, de hidrogênio, ao invés de gás ionizado, como nas outras nebulosas. São também os objetos que observamos quando queremos estudar a formação de estrelas. Isso porque, em razão de suas altas densidades, têm maior tendência a colapsar pela gravidade em regiões da nuvem. E, assim, atingir a pressão necessária para iniciar a fusão nuclear.

Se supernovas, por exemplo, enriquecem o meio interestelar, onde estão as nuvens moleculares, podemos avaliar que a composição química de uma está relacionada com a outra. Há muito ainda para se descobrir na relação entre a morte e nascimento de uma estrela, contudo.

A bolha galáctica

cavidade com regiões de formação de estrelas na via láctea
Imagem: Alyssa Goodman/Center for Astrophysics | Harvard & Smithsonian

Astrônomos descobriram e mapearam uma espécie de cavidade esférica em um dos braços da Via Láctea. E essa peculiar região cheia de vazio também não é pequena. A bolha galáctica tem 500 anos-luz de diâmetro. Para fins de comparação, um ano-luz é a distância percorrida pela luz, que viaja na maior velocidade permitida pela física no vácuo, em um ano. Ou seja, mais de 9 trilhões de quilômetros. A cavidade está localizada também entre as constelações de Perseu e Touro. Mais especificamente, o que é mais interessante, entre regiões de formação estelar nessas constelações. O estudo foi publicado na Astrophysical Journal Letters.

Sabe-se que a superfície da bolha possui centenas de estrelas já existente ou em formação. Ambas as duas teorias, por sua vez, para explicar sua existência, consideram explosões estelares. Ela pode ter sido criada por uma supernova empurrando gás para fora da região esférica. Ou então, por uma série de supernovas dentro de um período de milhões de anos. A cavidade, na verdade, já era conhecida por figuras bidimensionais. Suas reais dimensões, contudo, só puderam ser reconhecidas utilizando dados do telescópio Gaia, de mapeamento estelar, da Agência Espacial Europeia (ESA).

Arranjando os dados da região tridimensionalmente, a ideia dos astrônomos era poder entender melhor como a poeira e o gás liberados em uma explosão estelar podem se reorganizar em nuvens moleculares. A conclusão, justamente, foi que os berçários estelares em Perseu e Touro, na superfície da bolha, vieram da mesma explosão. Ou seja, a violenta morte de uma estrela, de fato, pode ter dado a partida no nascimento de muitas outras como ela.

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