Arqueólogos descobrem indícios de uso de ossos humanos como ferramentas e alimento na Espanha

Damares Alves
Padrões de desgaste na haste tibial sugerem uso repetido ao longo do tempo. Imagem: Z. Laffranchi e J. Brünig

Um estudo recente publicado na revista de acesso aberto PLOS One revela evidências intrigantes que sugerem que os primeiros seres humanos da Espanha podem ter retornado aos locais de sepultamento para fabricar ferramentas a partir de ossos e extrair a medula óssea, possivelmente usando-a como alimento.

O enterro dos mortos há muito tempo é considerado um aspecto crucial dos sistemas culturais humanos. Antropólogos e arqueólogos geralmente estudam os valores e estilos de vida de sociedades passadas por meio de sua relação com a morte e o sepultamento de restos humanos.

Nesse estudo, pesquisadores da Universidade de Berna, da Universidade de Córdoba e de outras instituições examinaram restos humanos da caverna Cueva de los Marmoles, no sul da Espanha.

As cavernas ao longo da Península Ibérica não serviram apenas como locais de sepultamento, mas também desempenharam um papel na modificação de restos humanos por milhares de anos.

Essa prática era comum em vários países atuais, com evidências sugerindo que ela se tornou mais predominante em Portugal e na Espanha por volta de 4.000 a.C. As características subterrâneas e escuras das cavernas provavelmente proporcionaram aos humanos antigos condições adequadas para abrigar restos mortais.

Osso humano
Osso humano recuperado na caverna. Imagem: J.C. Vera Rodríguez

O significado cultural por trás da manipulação e modificação de restos mortais humanos não está muito claro. No entanto, os pesquisadores acreditam que essas ações faziam parte de um sistema de respostas transculturais à morte. Os restos mortais da comunidade foram agrupados após a morte, criando uma projeção perpétua de um ambiente noturno eterno.

A equipe analisou os ossos de pelo menos 12 indivíduos da Cueva de los Marmoles. A datação por radiocarbono situou os enterros entre o quinto e o segundo milênio a.C., abrangendo desde o período neolítico até a Idade do Bronze.

As escavações realizadas entre 1998 e 2018 revelaram vários artefatos, incluindo um cálice de crânio humano meticulosamente esculpido, uma tíbia modificada usada como ferramenta e vários fragmentos de ossos.

Os pesquisadores descobriram evidências que sugerem que alguns restos mortais foram intencionalmente quebrados e raspados para extrair a medula óssea até um ano após a morte. As modificações post-mortem, como fraturas e arranhões nos ossos, indicam esforços para extrair a medula e outros tecidos para fins dietéticos ou práticos.

cálice de crânio
Um “cálice de crânio” feito a partir de um crânio humano. Imagem: Z. Laffranchi, CT images by M. Milella

O longo período de tempo durante o qual a caverna foi usada para práticas funerárias surpreendeu os pesquisadores. Eles acreditam que a Cueva de los Marmoles era um marco simbólico para as comunidades humanas da região, indicando tradições funerárias específicas. O tratamento complexo dos restos mortais sugere tradições e sistemas de crenças bem definidos entre esses primeiros seres humanos.

Esses achados se alinham com descobertas semelhantes em outros sítios de cavernas na região, destacando a prática generalizada de enterrar restos humanos em cavernas e, posteriormente, modificá-los para diversos fins.

Embora sejam necessárias mais pesquisas para entender completamente os aspectos simbólicos dessas modificações corporais, este estudo fornece informações valiosas sobre os valores e as práticas culturais dos primeiros seres humanos.

Os autores planejam continuar suas investigações arqueológicas na Cueva de los Marmoles e em outras cavernas funerárias da região. Eles pretendem realizar mais datações por radiocarbono, análises antropológicas e estudos zooarqueológicos em futuros restos de esqueletos que possam ser descobertos.

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