Arqueólogos descobrem civilização perdida na Amazônia

SoCientífica
Imagem: Heiko Prümers/German Archaeological Institute

Um helicóptero sobrevoou a bacia amazônica e disparou milhões de lasers em direção ao solo. O que o levantamento desses dados revelou alguns cientistas não esperavam. Os dados revelaram evidências de assentamentos desconhecidos construídos por uma civilização perdida pré-colonização europeia.

A descoberta, revelada em um artigo científico na revista Nature, indica que o misterioso povo Casarabe — que viveu na região de Llanos de Mojos, na bacia amazônica entre 500 e 1400 EC — era muito mais numeroso do que se pensava anteriormente, e que eles desenvolveram uma civilização extensa que se adaptou ao ambiente único em que viviam.

Como a descoberta foi realizada

Cientistas utilizaram o método de “detecção e alcance da luz”, no qual milhares de pulsos de laser infravermelho são lançados a cada segundo do terreno para revelar estruturas arqueológicas sob a densa vegetação — e descobriram vários assentamentos desconhecidos dentro de uma rede de estradas, viadutos, reservatórios e canais que estava centrada em dois assentamentos Casarabe muito grandes, agora chamados Cotoca e Landívar.

“Em uma hora de caminhada, você pode chegar a outro assentamento”, de acordo com o arqueólogo do Instituto Arqueológico Alemão em Bonn e autor principal do estudo, Heiko Prümers. “Isso é um sinal de que esta região era densamente povoada nos tempos pré-europeus”. Heiko e seus colegas estudam as ruínas de Casarabe na região, hoje parte da Bolívia, há mais de 20 anos.

Investigando a região

A região de Llanos de Mojos é uma savana tropical de planície no sudoeste da bacia amazônica. Tem estações úmidas e secas distintas a cada ano — os meses mais secos não têm chuva, mas durante a estação chuvosa entre novembro e abril grande parte da área é inundada por meses.

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Pesquisadores caminham sobre os remanescentes da pirâmide de 22 metros do sítio de Cotoca, hoje cobertos pela vegetação. Imagem: Heiko Prümers

Os missionários espanhóis no século 16 encontraram apenas comunidades isoladas que viviam lá, e os cientistas supunham que a população pré-hispânica da área era a mesma. As obras de terraplanagem foram encontradas nos anos 60, mas muitos cientistas contestaram se eram ruínas ou características naturais. Mas as últimas descobertas finalmente refutaram a ideia de que a região era pouco povoada, e mostram que o povo Casarabe, em vez disso, tinha instituído um “urbanismo tropical de baixa densidade” em uma vasta área.

Os povoados Casarabe menores poderiam ter sido o lar de milhares de pessoas. 24 deles são conhecidos — nove deles foram encontrados pela primeira vez neste estudo recente, de acordo com Heiko Prümers.

Os assentamentos foram unidos por estradas e caminhos, e foram construídos em círculos concêntricos ao redor dos dois principais locais de Casarabe em Cotoca e Landívar; ambos eram conhecidos antes, mas sua verdadeira extensão só agora foi revelada.

Estruturas sofisticadas

Os assentamentos foram construídos dentro de uma infraestrutura maciça de canais e reservatórios para o gerenciamento de água. Junto com estradas e caminhos, estas vias fluviais irradiaram em todas as direções dos grandes assentamentos como Cotoca e representaram um grande investimento em gestão paisagística e mobilização de mão-de-obra, segundo os pesquisadores

De acordo com Heiko, o sistema pode ter sido usado para controlar a inundação sazonal da região, para permitir o cultivo de milho e outras culturas em áreas elevadas; e é possível que alguns reservatórios tenham sido usados para cultivar peixes, o que teria sido uma importante fonte de proteína para o povo Casarabe. Ele especula, ainda, que a escassez de água pode ter desempenhado um papel no fim da civilização Casarabe em cerca de 1400 EC, mais de 100 anos antes da chegada dos europeus. É possível que o sistema de gestão da água dependesse tanto das enchentes ou outras fontes de água que tenha se desmoronado durante um período seco prolongado devido a um clima de mudança, disse ele.

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Localização da cultura Casarabe na Amazônia.

Urbanismo semelhante ao de outras civilizações

Michael Heckenberger, antropólogo da Universidade da Flórida, que não estava envolvido na pesquisa, disse que as descobertas verificam que o povo Casarabe estava organizado em um tipo de urbanismo de baixa densidade.

Ele observa que estruturas civilizacionais similares foram agora encontradas em outras regiões tropicais que antes se pensava serem inadequadas para civilizações antigas, como os maias.

A rede de assentamentos dos Casarabe se junta a outros exemplos antigos e atuais de expansão urbana de baixa densidade em todo o mundo. A descoberta levanta questões sobre se apenas lugares com governos centralizados que governavam pessoas aglomeradas em bairros e em ruas estreitas, como as metrópoles mesopotâmicas de 6.000 anos atrás, podem ser definidas como cidades.

Alguns assentamentos urbanos anteriores organizados em torno do cultivo de plantações se estendiam por até 1.000 quilômetros quadrados ou mais em regiões tropicais. Estes incluem localidades como a Grande Angkor, de 700 a 800 anos atrás, e sítios maias interconectados na América Central que datam de pelo menos 2.300 anos atrás. Hoje, áreas extensas fora das grandes cidades, especialmente no Sudeste Asiático, misturam atividades industriais e agrícolas ao longo de dezenas de milhares de quilômetros.

Somente novas escavações guiadas podem começar a desvendar o tamanho da população Casarabe, de acordo com Heiko Prümers. Se os locais primários de Casarabe representavam sedes de poder em estados com classes altas e baixas também permanece desconhecido.

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