Archaeopteryx: o “elo” entre os dinossauros e as aves modernas?

Pedro Noah
Créditos: Chris Hellier/SPLv

As formas de transição são registros fósseis de espécies que possuem uma mistura de características, com traços típicos de sua população ancestral, e novos traços observados posteriormente nas populações descendentes. Um dos exemplos clássicos é o Archaeopteryx, que foi descoberto pouco tempo depois da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin.

Trata-se de um animal que viveu há 145 milhões de anos. Os primeiros registros fósseis foram encontrados em pedreiras de calcário na Baviera, no sul da Alemanha, no início da década de 1860. Segundo um artigo publicado na PLOS ONE, em 2009, Archaeopteryx, quando em sua forma adulta, pesava 1 quilograma sendo do mesmo tamanho de um corvo comum (Corvus corax). Tinha asas largas com extremidades arredondadas e uma longa cauda óssea, com 50 centímetros no total. Baseando-se nas características de suas asas e penas, os cientistas acreditaram que Archaeopteryx provavelmente tinha algumas habilidades aerodinâmicas e, por tal fato tentaram classificá-lo entre as aves.

Entretanto, seu esqueleto era tão reptiliano – além da cauda óssea, apresentava mandíbula com dentes afiados, mãos com três garras e dois dedos do pé hiperextensíveis (“garras de morte”) – que seu registro fóssil foi confundido com restos de um dinossauro terópode do gênero Compsognathus, que também foi encontrado no mesmo local. Essas características levaram à ideia do “primeiro pássaro”, e gerações de cientistas trataram o animal como a peça-chave que ligaria aves e dinossauros.

Mas desde a década de 1990, o status único de Archaeopteryx vem mudando. Descobertas de espécies também transitórias, feitas na China, de fósseis de Anchiornis huxleyi e Microraptor gui, revelam que essas criaturas tiveram o corpo tão pequeno quanto o de Archaeopteryx, e que também podem ter usado suas quatro asas para voar. Outra forma fóssil, Aurornis xui, tem pernas, garras e uma cauda semelhante àquela do Archaeopteryx, e ainda viveu cerca de 10 milhões de anos antes, levando alguns cientistas a considerá-lo como um melhor candidato para o “primeiro pássaro”.

Um outro estudo publicado na Revista Nature, em 2013, mostra técnicas de varredura tridimensional (3D) que foram desenvolvidas para analisar a estrutura óssea de Archaeopteryx. Com isso, os pesquisadores obtiveram uma primeira imagem detalhada do cérebro do animal, revelando que o cérebro de Archaeopteryx e de uma variedade de dinossauros relacionados à ele, eram como o dos pássaros modernos, relativamente grande para seus tamanhos corporais. Os dinossauros não voaram tão bem quanto as aves modernas, e se voaram, contudo, a descoberta sugere que a expansão do cérebro ocorreu bem antes que o voo emergisse. Esta é ainda mais uma pista de que Archaeopteryx pode não ter sido mais semelhante a um pássaro do que as outras espécies de transição.

Também foi analisado se o cérebro de Archaeopteryx compartilha detalhes anatômicos com os dinossauros terópodes, a linhagem que deu origem às aves. Na pesquisa, foi relatado a descoberta de uma estrutura chamada de “wulst” no cérebro do Archaeopteryx, que foi encontrado previamente somente em pássaros vivos. O “wulst”, envolvido na percepção, poderia ter ajudado a criatura a processar informações visuais durante o voo. Mas a questão é se ela também está presente nos dinossauros parentes do Archaeopteryx.

As evidências agora sugerem que não houve uma transição nítida de dinossauro para pássaro, fazendo com que a ideia de um primeiro pássaro pareça cada vez mais arbitrária e propensa aos caprichos de um registro fóssil incompleto. Até agora concluiu-se que Archaeopteryx ainda é chave para a compreensão da árvore genealógica de dinossauros, mas que, por outro lado, ele vem sendo cada vez menos considerado como o “elo” entre os dinossauros e as aves modernas.

 

Referências:

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