A origem do HIV humano

Adriana Tinoco
Fonte: Wikipédia

Como surgiu o HIV humano? A origem do vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês human immunodeficiency virus) tem sido objeto de pesquisas e debates científicos desde de sua detecção, na década de 1980.

A ligação entre HIV e SIV

O HIV humano é um tipo de lentivírus, em outras palavras, ele ataca o sistema imunológico. De maneira semelhante, o vírus da imunodeficiência símia (SIV) ataca o sistema imunológico de macacos.

Pesquisas descobriram que o HIV está relacionado ao SIV e há muitas semelhanças entre os dois vírus. O HIV-1 é associado a um tipo de SIV encontrada em chimpanzés e o HIV-2 está intimamente relacionado a um tipo de SIV encontrada na espécie mangabeys fuliginosus.

O HIV veio de macacos?

Mangabeys de cabeça vermelha
Mangabeys de cabeça vermelha/ Imagem: Wikipédia

Em 1999, os pesquisadores descobriram um tipo do SIV (chamada SIVcpz) em um chimpanzé, que era quase idêntico ao HIV humano. Dessa forma, os pesquisadores concluíram que provava que os chimpanzés eram também a fonte do HIV humano e que, em algum momento, o vírus passou de uma espécie para outra.

Os mesmos cientistas realizaram mais pesquisas sobre como o SIV  e descobriram que os chimpanzés haviam caçado e comido duas espécies menores de macacos (mangabeys de cabeça vermelha e macacos de nariz pontudo). Esses macacos menores infectaram os chimpanzés com duas linhagens diferentes de SIV.

Os dois tipos diferentes de SIV se juntaram para formar um terceiro vírus (SIVcpz), que poderia ser transmitido a outros chimpanzés. Esse é o tipo que também pode infectar seres humanos.

Como o HIV passou dos chimpanzés para os humanos?

Não se sabe ao certo como a SIV passou do chipanzé para os humanos, mas a teoria mais aceita é a do “caçador”. Nesse cenário, o SIVcpz foi transferido para os humanos como resultado de chimpanzés serem caçados e comidos, ou o sangue deles entrar em cortes ou feridas de pessoas durante a caça. Normalmente, o corpo do caçador teria lutado contra o SIV, porém, o vírus se adaptou ao seu novo hospedeiro humano e se transformou no HIV-1.

Existem quatro grupos principais de tipos de HIV humano (M, N, O e P), cada um com uma composição genética ligeiramente diferente. Isso apóia a teoria do caçador, porque toda vez que o SIV passava de um chimpanzé para um humano, ele se desenvolvia de uma maneira um pouco diferente dentro do corpo da pessoa. O tipo mais estudado é o Grupo M do HIV-1, que mais se espalhou pelo mundo e é responsável pela grande maioria das infecções pelo HIV atualmente.

Como o HIV-2 foi transmitido aos seres humanos?

O HIV-2 vem de SIVsmm, da espécie de macacos mangabeys, em vez de chimpanzés. Acredita-se que o cruzamento para humanos tenha acontecido de maneira semelhante ao HIV-1, ou seja, o consumo de carne ou o contato com o sangue do animal.

O HIV-2 é muito mais raro e menos infeccioso que o HIV-1, por conta disso, infecta muito menos pessoas. Esse tipo de HIV é encontrado principalmente em alguns países da África Ocidental, como Mali, Mauritânia, Nigéria e Serra Leoa.

Quando e onde o HIV começou nos seres humanos?

Estudos de algumas das primeiras amostras conhecidas de HIV humano fornecem pistas sobre quando ele apareceu pela primeira vez em seres humanos e como ele evoluiu. O primeiro caso verificado de HIV é de uma amostra de sangue colhida em 1959, de um homem na República Democrática do Congo. A amostra foi analisada retrospectivamente e o HIV detectado. 

Existem inúmeros casos anteriores em que padrões de mortes por infecções oportunistas comuns, agora conhecidas como definidoras da Aids, sugerem que o HIV era a causa, mas esse foi o primeiro caso em que uma amostra de sangue pode verificar a infecção.

O HIV começou na África?

Utilizando a amostra mais antiga conhecida de HIV, os cientistas conseguiram mapear a transmissão do HIV, descobrindo onde o HIV começou. Seus estudos concluíram que a primeira transmissão do SIV ao HIV em humanos ocorreu por volta de 1920 em Kinshasa, na República Democrática do Congo. 

A cidade e proximidades são a área com a maior diversidade genética de tipos de HIV no mundo, refletindo o número de diferentes épocas em que o SIV foi passado aos seres humanos. Muitos dos primeiros casos de AIDS também foram registrados lá.

Como o HIV se espalhou?

Kinshasa é a capital e a maior cidade da República Democrática do Congo. A área ao seu redor tem muitas vias de transporte, como estradas, ferrovias e rios. A região também teve um crescente comércio sexual na época em que o HIV começou a se espalhar. 

A combinação de uma alta população de migrantes e o comércio sexual podem explicar como o HIV se espalhou por essas rotas de infraestrutura. Em 1937, o vírus chegou a Brazzaville, cerca de 120 km a oeste de Kinshasa. 

Por outro lado, a falta de rotas de transporte para o norte e o leste do país é responsável pelo número significativamente menor de notificações de infecções no local. No entanto, em 1980, metade de todas as infecções no Congo estavam em locais fora da área de Kinshasa, refletindo a crescente epidemia.

Por que o Haiti é significativo?

Na década de 1960, o subtipo M do HIV-1 havia chegado ao Haiti. Naquela época, muitos profissionais haitianos que trabalhavam na República Democrática do Congo retornaram ao Haiti. Inicialmente, eles foram responsabilizados ​​pela epidemia do HIV e sofreram discriminação severa como resultado.

O subtipo M do HIV-1, como comentamos anteriormente, é agora o subtipo mais espalhado geograficamente do HIV internacionalmente. Em 2014, esse subtipo havia causado 75 milhões de infecções.

O que aconteceu nos anos 80 nos EUA?

É comum as pessoas digam que o HIV começou na década de 1980 nos Estados Unidos da América (EUA), mas, na verdade, esse foi o momento em que as pessoas tomaram conhecimento sobre o HIV e a AIDS foi oficialmente reconhecida como uma nova condição de saúde.

Em 1981, o número de casos de algumas doenças raras começou a chamar a atenção. Eram relatados entre homossexuais, em Nova York e Califórnia, um número acima do normal de casos de Sarcoma de Kaposi (um câncer raro) e uma infecção pulmonar chamada PCP. Ninguém sabia por que essas doenças estavam se espalhando, contudo essas condições estão associadas a um sistema imunológico deficiente. Dessa forma, os médicos concluíram que devia haver uma doença infecciosa, que abria caminho para doenças oportunistas.

No início, essa doença infecciosa era chamada de diversos nomes, a maioria a associando à comunidade gay. Somente em meados de 1982 os cientistas perceberam que a doença também estava se espalhando entre outras populações, como hemofílicos e usuários de drogas injetáveis. Em setembro daquele ano, a doença foi finalmente chamada de AIDS (do inglês, Acquired Immunodeficiency Syndrome).

Contudo, apenas em 1983, o vírus HIV foi isolado e identificado por pesquisadores do Instituto Pasteur, na França. Originalmente o vírus foi associado à linfadenopatia (ou LAV), mas foi confirmado como a causa da AIDS, quando cientistas que trabalhavam no Instituto Nacional de Câncer dos EUA isolaram o mesmo vírus e o chamaram HTLV-III. LAV e HTLV-III foram posteriormente reconhecidos como sendo os mesmos.

O que é o Four-H-Club?

Em 1983, os Centros de Controle de Doenças (CDC) nos Estados Unidos listaram os principais grupos de risco da AIDS, incluindo parceiros de pessoas infectadas, usuários de  drogas injetáveis, hemofílicos e pessoas que estivessem estado no Haiti. 

Na época em que os casos de AIDS começaram a surgir nos EUA, a ausência de informações definitivas sobre o HIV inflou o pânico e o estigma em torno do chamado grupo de risco. Em pouco tempo, as pessoas começaram a falar coloquialmente de um “clube 4-H” em risco de Aids: homossexuais, hemofílicos, viciados em heroína e haitianos.

Ainda há grupos de risco?

Nos dias atuais não existe mais grupos de risco ou qualquer outro tipo de distinção. Atualmente, fala-se em comportamento de risco.

Há duas razões principais para essa mudança. Primeiramente, o vírus passou a se espalhar de forma geral, não mais se concentrando em um grupo específico de pessoas. 

Em segundo lugar, essa distinção cria um estigma negativo sobre todo um grupo de pessoa, além de uma falsa sensação de segurança para pessoas que não fazem parte desses grupos.

Quais são os comportamentos de risco?

Os comportamentos de risco são atitudes descuidadas que podem expor qualquer pessoa ao risco de infectar-se com HIV. Entre esses comportamentos, está ter relações sexuais (homo ou heterossexual) sem o uso de preservativos; compartilhar seringas e agulhas; e reutilização de objetos perfurocortantes sem esterilizar, como equipamentos de tatuadores ou mesmo alicates de unha.

Qual o tempo de sobrevida de uma pessoa portadora do HIV?

Até o começo da década de 1990, a AIDS era considerada uma doença que levava à morte em um prazo relativamente curto. Porém, com o surgimento do coquetel (combinação de medicamentos responsáveis pelo atual tratamento de pacientes HIV positivo) as pessoas infectadas passaram a viver mais. Esse coquetel é capaz de manter a carga viral do sangue baixa, o que diminui os danos causados pelo HIV no organismo.

O tempo de sobrevida, ou seja, os anos de vida pós-infecção, pode variar muito de pessoa para pessoa. Por exemplo, algumas pessoas começaram a usar o coquetel em meados dos anos noventa e ainda hoje estão vivas. Outras apresentam complicações mais cedo e têm reações adversas aos medicamentos. Há, ainda, casos de pessoas que, mesmo com os remédios, sofrem com infecções oportunistas.

AIDS e HIV no Brasil
Imagem: Ministério da Saúde

HIV e AIDS não são sinônimos

HIV, como vimos aqui, é o vírus causador da AIDS. Contudo, é possível que uma pessoa infectada com HIV permaneça anos sem desenvolver nenhum sintoma. 

Enquanto isso, a AIDS é o estágio mais avançado da infecção pelo HIV e surge quando a pessoa apresenta infecções oportunistas (que se aproveitam da fraqueza do organismo, como tuberculose e pneumonia, entre outras), por conta da baixa imunidade ocasionada pelo vírus.

Outras referências

Avert 

Secretária de Saúde de São Paulo

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