“Textão do Facebook” encontrado em cartas do Egito Antigo

Felipe Miranda
(MET Museum)

Famoso é o meme dos textões furiosos que ora aparecem pelo Facebook, eventualmente gerando uma certa vergonha alheia nos internautas. Bom, mas aparentemente isso já existia na Antiguidade. Em cartas do Egito Antigo, cientistas encontraram textos cheios de raiva e amargura, demonstrando o quão parecidos com humanos contemporâneos eram os humanos antigos.

Uma egiptóloga da Universidade de Oxford, Dra. Deborah Sweeney, analisou três textos egípcios, e descreveu seu estudo em um artigo no periódico The Journal of Egyptian Archaeology, em 1998, mas alguém o ressuscitou agora. “Papyri Deir el-Medina IV, V e VI ilustram diferentes problemas entre amigos no período Ramesside. Este artigo apresenta novas traduções desses textos e os discute no contexto da amizade, da obrigação social e da reconciliação no antigo Egito”, explica o resumo do artigo.

As cartas do Egito Antigo

Os arqueólogos encontraram, nas últimas décadas, uma quantidade substancial de textos em Deir el-Medina, um sítio arqueológico no Egito. No entanto, o trabalho de Sweeney foca em três textos: Papyri Deir el Medina IV, V, e VI. “Embora essas três cartas às vezes tenham sido apresentadas como um grupo, são provavelmente o trabalho de três correspondentes distintos”, explica a autora.

No texto IV, o remetente reclama da falta de contato mantida pela destinatário – no WhatsApp o destinatário talvez fosse aquele tipo de pessoa que esquece a mensagem passa três dias sem te responder. Brincadeiras à parte, o remetente diz: “Que ofensa eu fiz contra você? Não sou seu antigo companheiro de alimentação?”. 

Quem redige a carta é o escriba Nakhtsobk, direcionada ao “tripulante Amennakhte”. Conforme o Jstor Daily – o site de notícias da mesma hospedagem que publicou o estudo -, Nakhtsobk tentou expulsar seu amigo da aldeia após a intriga. 

Ancient Egypt history in hieroglyphic language at Karnak
Esta parede não é a carta, mas representa a linguagem hieroglífica do Egito Antigo. (Mmelouk)

Nos textos V e VI, há algo relacionado à quebra de contratos sociais, com o descumprimento de algo esperado em trocas ou favores. O texto V fala especificamente de uma pomada (?), e destaca que “os amigos cuidam uns dos outros, ajudam uns aos outros e atendem aos pedidos uns dos outros”. Aparentemente, o remetente enviou ao destinatário uma pomada, mas por alguma razão eles tiveram um briga relacionada à amizade.

Finalmente, o texto VI está relacionado com alguém da família, aparentemente. Um mulher relacionada ao destinatário (Esposa? Filha? Não se sabe) fugiu para a casa do remetente. O escritor ainda conclui dizendo que o destinatário nunca lhe escreve, e o aconselha a cuidar melhor da moça no futuro, coisa que não fez no passado.

Humanos são humanos

Para o último texto, Sweeney cria, então, algumas suposições. Ela sugere que a mulher fosse uma esposa fugindo do marido que a maltratava. Na cidade de Deir el-Medina havia o rainha-deusa Nefertar, e a mulher estaria indo consultá-lo. O marido seria, portanto, o destinatário da carta, e o escritor um velho amigo que deu refúgio para a mulher.

“Em todas essas cartas, o remetente reclama da frieza por parte do correspondente, sintetizada pela falta de troca de favores e informações e pelo desrespeito às normas de reciprocidade”, explica a pesquisadora no decorrer do estudo. 

A autora ainda destaca o quão parecidas são as relações humanas no Antigo Egito, com base nas cartas, com o que fazemos hoje. Muito do que sabemos sobre as antigas civilizações relaciona-se às religiões. Isso porque grande parte dos escritos são relacionados às igrejas, que na maior parte das sociedades exerciam poder político. 

No entanto, nem tudo era religião, assim como nos dias de hoje. Os contratos sociais são o que são (me refiro àqueles contratos saudáveis), e talvez sejam, então, intrínsecos à sociabilidade humana. “Não há menção dos deuses, maat ou mandamentos divinos para perdoar. A base da reconciliação é a solidariedade humana, e bem os velhos tempos”, ressalta a autora. 

O estudo foi publicado no periódico The Journal of Egyptian Archaeology. Com informações de Ancient Origins e Jstor Daily.

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