Quando pensamos nos gregos, pensamos em uma grande civilização extremamente racional, um dos principais berços da ciência, matemática e o berço da filosofia moderna e da política. Quando pensamos na Grécia, muitas vezes um paraíso pode vir à cabeça, mas trata-se de uma visão muito idealizada, na verdade. Os gregos também possuíam religião, e não eram um povo exatamente científico e racional. Eles eram como nós hoje, com suas crenças – e essas crenças às vezes podem gerar comportamentos um tanto sombrios.
Rituais que envolviam sacrifícios de animais ou mesmo de humanos não eram raros – muitas vezes tendendo ao comum. O sacrifício humano, conforme as crenças, deveria agradar aos deuses, então relativamente bem praticado ao redor do mundo. E não, os gregos também não escapavam disso.
Existe um ritual que fora praticado na Grécia antiga chamado de pharmakós (a grafia pode ser também pharmakos ou pharmākos). Em resumo, trata-se de um ritual onde uma pessoa é escolhida como bode expiatório. Essa pessoa poderia ser apenas expulsa, ou poderia ser sacrificada, em “nome de um bem maior”. O ritual sobreviveu por séculos – possivelmente entre o século 8 ao 5 a.C. Há poucas evidências que contam as histórias, então pouco se sabe sobre o ritual.

Em resumo, durante esse período da história grega, durante épocas de crises esse ritual podia ser utilizado. Em alguns períodos, seja por fatores externos, seja por fatores internos, havia crises, pestes, secas e fome, isso não só na Grécia, mas por todo o mundo. Na realidade, períodos de seca e pestes há até hoje (a pandemia de covid-19 é um exemplo). Apenas a fome que conseguimos, hoje, contornar um pouco, para a parcela das pessoas que não vivem na miséria.
Não só na Grécia, mas em diversos povo e em diversas religiões, desde a antiguidade até os dias de hoje, muitas vezes essas crises são atribuídas a algum motivo divino. Fome, pestes, enchentes… muitos atribuíam e atribuem ao castigo de Deus, ou dos deuses, dependendo da religião.
E bom, nem sempre a Grécia foi o antro da civilização. Durante um período, a maior parte dos povos gregos se resumiam a uma série de arcaicos vilarejos rurais. Principalmente durante esse período, em tempos de crise elegia-se, em cada vila ou cidade grega, o habitante mais feio. Vale lembrar, no entanto, que o termo ‘feio’, na época, provavelmente referia-se a um cidadão com alguma deformidade ou deficiência, e não simplesmente uma estética não muito dentro do padrão, como nos referimos hoje a alguém “feio”.
A pessoa eleita, então, torna-se o pharmakos. Então, a pessoa era alimentada com iguarias, as comidas mais requintadas possíveis. Após isso, a pessoas eleita (ou pessoas) eram conduzidas pelas ruas da cidade enquanto eram violentamente feridas com galhos verdes. A partir daqui, o destino da vítima poderia variar: a pessoa poderia ser morta por apedrejamento, queimada, jogada de um penhasco, ou simplesmente expulsa do local, sem necessariamente envolver a sua morte.

Os gregos eram obcecados com a pureza. Isso, inclusive, pode ser notado nas artes gregas – as formas perfeitas dos corpos em pinturas e estátuas. Então, pessoas com deformidades e deficiências eram mal vistas. Logo, expulsar ou sacrificar essas pessoas, vistas como impuras ou contaminadas, poderia agradas aos deuses e afastar quaisquer crises que estivessem ocorrendo naquele momento ou pudessem ocorrer no futuro.
A semelhança entre o nome pharmakos e fármaco, inclusive, não é mera coincidência. Um fármaco é um remédio. A palavra relacionada a pharmakos era pharmakon, e originou a palavra farmácia em diversas línguas modernas. Pharmakon era uma palavra que se referia a veneno e remédio (até porque a linha entre um veneno e um remédio é bastante tênue). Então, o pharmakos era considerada a escória, mas era, também, o salvador daquela sociedade.
A prática acabou tornando-se relativamente comum, e não apenas durante crises. Por exemplo, foi celebrado anualmente em Atenas durante o festival de Thargelia.