Estudo revela que aconteu no Panamá a primeira rebelião de escravos bem-sucedida

Daniela Marinho
Ex-escravos em Hispaniola lutam contra o exército francês. A revolta levou à fundação da nação moderna do Haiti. Acreditava-se que havia acontecido no país a primeira rebelião bem-sucedida, mas um novo estudo revela que Panamá foi o primeiro palco.

O tema sobre a liberdade permeia toda a história da sociedade, desde que o homem começou a investigar sobre seu lugar no mundo, tomou consciência de que o conceito tem uma aplicação ampla, sobretudo no aspecto filosófico. De qualquer modo, a escravidão contradiz diretamente e intensamente os preceitos da liberdade. Não à toa, os escravos protagonizaram centenas de tentativas de reverter o que era imposto a eles.

Nesse contexto, o Panamá é o local da primeira rebelião bem sucedida de escravos, como assinala um novo estudo histórico. Com a descoberta, algumas questões históricas, até então consideradas verdadeiras, foram colocadas em questão.

Nova descoberta coloca o Panamá como o local da primeira rebelião de escravos que obteve sucesso

Há muito se acreditava que a primeira revolta bem sucedida de escravos nas Américas ocorreu no Haiti. No entanto, uma nova descoberta coloca o Panamá como esse lugar. Para se chegar a tal conclusão, um estudioso obstinado dos Estados Unidos precisou subverter a narrativa convencional a respeito dos africanos escravizados no Novo Mundo.

Desse modo, Robert Schwaller, um historiador da Universidade do Kansas, descobriu novos detalhes sobre a revolta do Panamá no Arquivo Geral das Índias – um repositório em Sevilha, Espanha, voltado ao Império Espanhol nas Américas e na Ásia

Os detalhes envolvem documentos, como cartas, éditos reais e documentos judiciais. Com o achado, uma nova luz foi lançada sobre vários grupos de africanos escravizados dentro e ao redor do que hoje é a província panamenha de Colón.

Panamá é o local da primeira rebelião bem sucedida de escravos
Imagem: Canva

Escravidão no Panamá

A escravidão no Panamá data de 1513 quando o explorador espanhol Vasco Núñez de Balboa transportou pela primeira vez africanos capturados para o país. Aproximadamente uma década depois, a população escravizada começou a fugir da dominação, primeiro individualmente e depois em grupos. Na medida em que o número de pessoas auto-emancipadas aumentavam, outras incursões nas cidades e rodovias espanholas aconteciam, assim, eles ganhavam riquezas e conseguiam liberar outros africanos do cativeiro.

Os bravos quilombolas travaram uma longa guerra de guerrilhas por décadas contra as forças espanholas. Acontece que em 1579, o Supremo Tribunal do Panamá concedeu liberdade permanente ao líder da resistência Moçambique e sua comunidade de quilombolas em todos os territórios da Espanha nas Américas. 

Embora tenha sido ignorado pelos historiadores, o decreto representa o sucesso dessa série de levantes, ocorridos mais de dois séculos antes de Toussaint Louverture ajudar a liderar a Revolução Haitiana. 

Schwaller, detalha sua pesquisa em um livro de 2021 [Maroons africanos no Panamá do século XVI: uma história em documentos] e afirma que: “O sucesso dos quilombolas do Panamá estabeleceu um precedente para garantir liberdade e autonomia que outros quilombolas africanos repetiriam nos séculos seguintes no México, Colômbia, Equador e Jamaica”.

Resistência africana

janfeb2023 e20 prologue
Visão atual de Portobelo. Imagem: Alamy

Lutar pela liberdade – um direito inato – não deveria ser uma realidade. Contudo, os séculos em que pessoas escravizavam outras deixou feridas que reverberam até a atualidade. Graças ao desejo de mudança e recuperação da dignidade, essas pessoas marginalizadas e as gerações que se seguiram puderam vivenciar uma vida mais humana.

Nesse cenário, os africanos que lutaram pela liberdade formaram assentamentos autônomos nas regiões no século 16 ao redor do forte espanhol de Portobelo. Schwaller diz que “O incrível de Portobelo é que as pessoas que vivem lá hoje têm uma ligação direta com as pessoas que vieram do Congo e de Angola, muitos dos quais eram quilombolas […] Eles conhecem sua história, embora poucos estrangeiros o conheçam.”

Diversos estudiosos celebram as descobertas de Schwaller. Como é o caso de Ben Vinson III, historiador e vice-presidente executivo da Case Western Reserve University em Cleveland, o qual diz que o “trabalho excepcional de Schwaller mostra a resistência africana”.

Compartilhar