Em 1887, o missionário anglicano John Batchelor, quando fazia seus trabalhos junto a membros do povo Ainu, ouviu falar sobre histórias ancestrais de um “Sol negro morto” cercado por “línguas de fogo e relâmpagos”. Os relatos também citavam cães uivando quando isso ocorria. “Então o sol começou a voltar à vida, e os rostos das pessoas tinham um aspecto de morte; e à medida que o sol gradualmente ganhou vida, os homens começaram a viver novamente”, conforme descreve Batchelor.
A descrição do povo Ainu se referia a um eclipse que ocorreu anteriormente. No entanto, não havia uma data exata para tal. Batchelor ficou sabendo do ocorrido quando, naquele ano, 1887, ocorria um eclipse solar total em partes do território do Japão. Batchelor, então, conseguiu óculos de proteção para observar o eclipse com segurança e o deu a alguns membros da população local.
Agora, um grupo de cientistas da Universidade de Nagoya, do Observatório Astronômico Nacional do Japão e da Universidade de Comércio de Otaru analisaram textos antigos em busca de localizar a origem desses relatos, e confirmaram três eclipses. O estudo foi publicado no periódico Publications of the Astronomical Society of Japan.
Registros semelhantes geralmente são subutilizados, pois descrições folclóricas são fantasiosas, carregadas por vieses culturais locais. Segundo um comunicado da Universidade de Nagoya, os registros históricos em Hokkaido são raros, mas importantes quando existem. Antes do Período Meiji, raramente o povo indígena Ainu relatava acontecimentos importantes por escrito, e na época, poucos japoneses habitavam a ilha.
Para as análises, os pesquisadores utilizaram três textos. A primeira é uma correspondência de John Batchelor (1855-1944).
Os pesquisadores combinaram os relatos com as posições do Sol e da Lua simuladas por meio de computador nas épocas em que os textos haviam sido escritos. Os relatos, conforme descoberto, combinavam perfeitamente com um eclipse solar total. O “sol negro morto” refere-se ao eclipse em si. As “línguas de fogo e relâmpagos” são as “rajadas” da coroa solar que são observadas durante o evento.
“Nas coleções do folclore Ainu, o relato de Batchelor sobre o eclipse solar total foi único”, diz em um comunicado o pesquisador Hisashi Hayakawa, do Instituto de Pesquisa Ambiental Espacial-Terra (ISEE) e do Instituto de Pesquisa Avançada (IAR) da Universidade de Nagoya. “No entanto, não havia uma data explícita para o evento, o que dificulta a discussão acadêmica”.
“Felizmente, a escrita de Batchelor incluiu dicas sobre esse eclipse, como sua escuridão, reações de animais e outras características únicas. Ele até incluiu um marcador cronológico grosseiro, afirmando que ‘quando meu pai era criança, ele ouviu seu avô dizer que seu avô viu um eclipse total do sol'”, relata Hayakawa. O pesquisador ainda destaca: “Essas pistas nos permitiram reproduzir a visibilidade dos eclipses solares nas áreas Horobetsu e Moto Muroran de Hokkaido, onde Batchelor coletou esse folclore. Durante esses períodos, o Sol estava extremamente inativo, algo que não era conhecido anteriormente”
O segundo texto são relatos do geógrafo e explorador Tokunai Mogami, que escreveu sobre relatos de um comerciante local, Denkichi Abeya, em 1786. As descrições eram de um eclipse anular, onde a Lua tapa o centro do Sol, mas um anel ainda pode ser visto. No entanto, as simulações mostraram que, isso difere um pouco do que realmente ocorreu. “Nossos cálculos revelaram que um observador em Mitsuishi poderia ver este eclipse, não como um eclipse anular, mas apenas como um eclipse solar parcial”, disse Hayakawa.
Por último, foram utilizadas descrições de Kan’ichiro Mozume, um professor e intelectual. Mozume escreveu e desenhou esboços. Esses esboços foram atribuídos a um eclipse anular ocorrido em 1872.
“Mozume deixou quatro esboços de eclipses em seu diário e capturou visualmente o eclipse anular em 1872. Sua descrição foi consistente com nosso cálculo astronômico. Isso nos permitiu localizar o eclipse do esboço e confirmar sua confiabilidade. Descobrimos que ele deixou uma referência essencial sobre o início da história de Otaru, Hokkaido”, diz Hayakawa.