“Vampiros” assustaram a aldeia de Kisiljevo no século 18

Felipe Miranda
(Leemage / Corbis via Getty Images)

Os vampiros fazem parte importante da cultura popular. Diversas são as histórias relacionadas ao surgimento dos mitos, desde nobres malucos que matavam e torturavam por puro prazer à corpos em decomposição, às crenças populares e saúde pública. Portanto, a crença nesses seres é uma construção composta por peças de inúmeras histórias diferentes.

Em 1721, Thomas Lewis passou a distribuir, em Londres, panfletos chamados “Considerações sazonais sobre o costume indecente e perigoso de enterrar em igrejas e pátios de igrejas”. Os panfletos falavam em como os odores atrapalhavam a comunhão dos fiéis durante as missas e sobre a propagação de doenças. 

Por muito tempo, acreditava-se que as doenças se propagavam através dos maus  odores. As ideias de Lewis estavam, de certa forma, de acordo com os conhecimentos científicos da época. Somente em meados do século 19, então, com a consolidação de equipamentos tecnológicos mais complexos na ciência, que as teorias de propagação de doenças por vírus e bactérias surgiram e foram comprovadas.

A ideia de que doenças se propagavam através de odores não é de toda errada, mas apenas uma interpretação errada de observações empíricas. Acontece que os odores desagradáveis são, comumente, produto da decomposição. A decomposição carrega microrganismo muitas vezes perigosos à saúde, além de diversas outras características pouco sanitárias.

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A antiga relação entre cemitérios e igrejas. (Pixy)

Vampiros?

Utilizo Lewis apenas como bode expiatório para introduzir o pensamento vigente naquela época. Ninguém sabia exatamente como doenças se propagavam. Justamente a falta de conhecimento levou um vilarejo no entorno dos territórios da Casa de Habsburgo, futuro Império Austro-Húngaro. Este é apenas mais um dos casos que inspiram as histórias de vampiros.

A aldeia de Kisiljevo entendeu uma forma diferente de propagação de doenças, mas também através de cadáveres. Em 1725, um grupo de moradores convoca o Provedor Kameral, um homem que fazia trabalhos relacionado à saúde e segurança por ali. 

Eles informaram o oficial que Petar Blagojević, que morrera algumas semanas antes, andava pela região. Sua esposa (ou viúva) jurava que ele fora até sua casa pegar seus sapatos. Após isso, segundo ela, Petar tentou estrangulá-la. Outras pessoas relataram um caso semelhante – e todos morriam pouco tempo depois.

O relatório oficial do caso classificou Petar como ‘vampyri’ (qualquer semelhança não é mera coincidência). Vampyri é uma palavra sérvia para ‘De volta dos mortos’. 

Outro provisor, então, o Provisor Frombald, responsável pelo relatório, realizou uma autópsia no corpo de Petar. Ele relatou um cadáver completamente fresco, sem odores ruins. Frombald disse, ainda, ter visto sangue no entorno da boca de Blagojević. Ao introduzir uma estaca no dorso do morto, mais sangue fresco jorrou. 

O veredito de Frombald foi que, de fato, Petar era um ‘Vampyri’. O caso saiu em jornais e ganhou a europa. Apesar de acreditar, Frombald culpou completamente o aldeões pela conclusão. Após isso, o termo se espalhou pela europa. Dessa forma, o termo Vampyri ganhou sua versão em diversas línguas.

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A gravura representa o cemitério de Saint-Innocents, em Paris, por volta de 1550.

Higiene e saúde pública

O que as ideias de Lewis e da aldeia de Kisiljevo possuem em comum, portanto, são os problemas sanitários. Cidades são aglomerações de pessoas. Grandes aglomerações de pessoas significam acúmulo de lixo e dejetos. E sabemos que esse acúmulo não é o ideal.

Os Romanos Antigos possuíam sistemas de saneamento básico. Embora não fossem perfeitos, é muito melhor do que o acúmulo vigente na Europa durante a idade média e parte da idade moderna. 

Corpos espalhados davam a impressão de ‘pessoas ressuscitadas’. Mas elas moviam-se, na verdade, por diversos outros motivos, como fortes chuvas, animais se alimentando, etc. Alguns corpos demoravam a decompor, dando a aparência vívida citada no relatório do Provisor Frombald.

Mas por muito tempo, as histórias de vampiros ainda persistiram.

Além disso, inesperadamente, Lewis estava correto em uma coisa: enterrar corpos ao lado das igrejas não era o ideal. Eventualmente, os cemitérios separados da cidade, saneamento básico e o tratamento de quaisquer tipos de dejetos diminuíram consideravelmente a propagação de doenças.

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