Naufrágios estão formando ecossistemas para micróbios de águas profundas

Dominic Albuquerque

Um novo estudo liderado por pesquisadores da Universidade do Sul do Mississipi sobre comunidades de micróbios relata que embarcações de madeira naufragadas produziram mudanças locais nessas comunidades, especificamente localizadas nas profundezas oceânicas onde as embarcações se depositaram.

Milhões de embarcações naufragadas através dos oceanos do planeta criam, cada uma, um possível habitat distinto, e microecossistemas para diferentes cepas habitarem.

Essa descoberta, de acordo com a equipe, é a primeira evidência de como as estruturas humanas estão impactando a distribuição de micróbios no assoalho oceânico profundo.

“Comunidades microbianas são importantes de se estar ciente sobre e de se compreender porque elas fornecem uma evidência primitiva e clara de como as atividades humanas podem mudar a vida no oceano”, disse a autora Dra. Leila Hamdan. “Cientistas do oceano sabiam que habitats naturalmente duros, alguns dos quais estão presentes há centenas e milhares de anos, formam a biodiversidade da vida no fundo do mar”.

micróbios em embarcação naufragada
Embarcação naufragada em Nova Orleans. O naufrágio ocorreu em 14 de junho de 1849. Imagem: Wikimedia

“Esse trabalho é o primeiro a demonstrar que habitats construídos (lugares ou objetos feitos, ou modificados por humanos) impactam os filmes dos micróbios (biofilmes) cobrindo essas superfícies também. Esses biofilmes são, em última análise, o que permite que habitats duros se transformem em ilhas de biodiversidade”.

Assim como formações geológicas naturais do fundo do mar, as embarcações de madeira naufragadas criam habitats onde os micróbios das profundezas marinhas podem habitar. Ainda que já soubéssemos que essas embarcações podiam abrigar comunidades impressionantes de vida macroscópica no interior de outros barcos, tínhamos poucos dados acerca de como micróbios também podem viver nessas estruturas.

Como os micróbios são a base das cadeias alimentares do oceano, compreender como essas estruturas feitas pelo homem (inclusive as naufragadas) podem impactar sua diversidade pode nos ensinar muito sobre como proteger o oceano de maneira mais eficiente.

De acordo com estimativas da UNESCO, há cerca de três milhões de embarcações naufragadas por todo o planeta, a maioria das quais são feitas de madeira.

Para entender melhor o efeito local dessas embarcações, a equipe analisou dois locais com restos de embarcações de madeira que afundaram no Golfo do México ao final do século XIX.

As amostras foram coletadas após a equipe dispor pedaços de pinho e carvalho a distâncias diferentes (variando entre 0-200 m) dos naufrágios, deixando-os ali por quatro meses. Depois de recuperá-los, as peças de madeira foram analisadas para conferir o quão continham de bactéria, archaea e fungos, usando sequenciamento de genes.

micróbios
Imagem: Unsplash

O tipo de madeira usada teve um impacto maior na diversidade de bactérias encontradas nas amostras — o carvalho era preferido por elas em relação ao pinho — ainda que tenha tido uma influência menor na diversidade de archaea e fungos.

Enquanto isso, a outra grande influência na diversidade geral de espécies identificadas nas amostras foi a proximidade do local do naufrágio. Surpreendentemente, todavia, não eram os pedaços mais próximos aqueles que continham uma maior diversidade, mas os que se encontravam a cerca de 125 metros das embarcações.

De maneira geral, a equipe explica que a presença de embarcações de fato tem um efeito significativo na riqueza de micróbios nos arredores, com uma mudança importante na composição e disseminação de biofilmes.

Fatores ambientais como a profundeza e a disponibilidade de nutrientes também influenciaram o comportamento dos biofilmes no local do naufrágio, a equipe acrescentou.

Ainda que o artigo atual foque em embarcações naufragadas de madeira, os autores observam que muitas das estruturas feitas pelo homem e que estão abaixo do oceano hoje são constituídas por metal. Mais pesquisas, portanto, serão necessárias para entender qual o impacto que esse tipo de estrutura possui.

O artigo foi publicado na revista Frontiers in Marine Science.

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